15 setembro 2007

O Mar na Geoestratégia de Portugal 1ª Parte


Teorias do Poder Marítimo. Aplicação ao caso Português
O MAR e PORTUGAL
A questão do Mar na Geoestratégia de Portugal

(1ª Parte de 4 partes)

Introdução

O objecto deste trabalho é a descrição, de forma resumida, da relação entre Portugal, enquanto centro de decisão, e o Mar.

Os objectivos são - tratar o Mar como factor de poder dos Estados no Sistema Internacional; em segundo lugar, proporcionar uma pequena panorâmica sobre a forma como Portugal tem aproveitado, ou não, esse factor geográfico e geopolítico, para se afirmar no concerto das nações e blocos políticos; por último, dar uma contribuição prospectiva sobre quais os caminhos que Portugal deve percorrer para aproveitar e potenciar o facto de possuir grandes fronteiras marítimas.

Metodologicamente seguiu-se o esquema de, em primeiro lugar, fazer um enquadramento do tema, descrevendo algumas das principais teorias, de alguns reputados autores, sobre Geopolítica, sobre o Mar e a sua influência na projecção de poder dos Estados; em segundo lugar, descrever algumas das posições e os resultados obtidos por Portugal perante esse factor; guardando para o final do texto uma tentativa de, prospectivamente, apontar caminhos para Portugal de forma a que o país aproveite esta especificidade geográfica para uma necessária afirmação no sistema político internacional ou que, pelo menos, evite a sua possível irrelevância no mesmo.
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Plano Estratégico Nacional – uma necessidade

Estratégia de um Estado tem a ver com a concepção, organização, desenvolvimento e aplicação de Poder para fazer face e ultrapassar os obstáculos que se apresentem, em cada momento, e que dificultem a realização dos objectivos do mesmo.

Qualquer Estado deve possuir, portanto, um instrumento que, por de cima dos diferentes ângulos de visão política partidária e sectorial, estabeleça os objectivos permanentes da nação, que representa, e a estratégia a seguir para os alcançar:
- Um Plano Estratégico Nacional.

Os formuladores desse Plano Estratégico Nacional (e já agora lembro que Portugal, o meu país, não tem um Plano Estratégico Nacional há mais de trinta anos) devem tomar em consideração, a situação geográfica do/s território/s, os recursos disponíveis (morais, humanos, materiais e naturais), a vontade política nacional, a organização existente e potencial, por outras palavras, identificar e organizar os meios de que o Estado dispõe para atingir os objectivos da Nação.

Um Estado (território, povo e poder político que o representa) vive enquadrado, geográficamente, por outros Estados que também têm os seus próprios objectivos e ambições e que estão dispostos territorialmente sobre a superfície do planeta de forma mais ou menos organizada.
Esses objectivos são ou não coincidentes entre si, entre os diversos Estados.

E um qualquer Estado tem que estudar atentamente os seus iguais, que no seu conjunto formam o Sistema Internacional de Estados Soberanos, de forma a, em última análise, poderem sobreviver de forma autónoma no mesmo. Isto é, manterem a sua capacidade de autogovernação de maneira a poderem atingir os seus objectivos, que devem coincidir com os da Nação que representam.

Os conceitos de Geografia Política, Geopolítica e Geoestratégia ajudam-nos, enquanto Nação organizada e representada por um Estado, a perceber o mundo passado, o mundo presente e as possibilidades futuras de sobrevivência e os objectivos a traçar com os recursos disponíveis em cada momento.
Mas vejamos então o enquadramento teórico sobre a Geopolítica e a questão do Mar e sua relevância para uma Nação-Estado, que é o objecto deste trabalho.

Um parêntesis apenas para clarificar que a ordem do conceito (Nação-Estado) quer dizer isso mesmo. Por processo lógico, a Nação precede o Estado.
É por vontade de uma Nação, (isto é um povo com interesses comuns, com língua própria, com história, com território, com sentimento de pertença a uma nacionalidade e passado comuns), independentemente do detonador - Élites, Povo, acontecimentos - ou de parte dela, que surge a construção de uma vontade de autogoverno e de independência, face a outras Nações, dando origem a um Estado Independente e Soberano.
Esse Estado pode agrupar, ou não, o todo da Nação. Acresce ainda que existem Nações sem Estado.

Mas nem sempre é assim. Há também o caso de Estados que agrupam várias Nações, (embora estes casos os considere como excepções e penso que no longo prazo, por indícios recolhidos de acontecimentos dos Séculos XVIII, XIX e XX, têm poucas possibilidades de sobrevivência i.e. URSS, Federação Jugoslava, Espanha e mesmo China).

Cedo ou tarde, pelo menos com referência ao nosso tempo de vida, as Nações tendem a lutar pela sua autonomia, pela sua capacidade de autogoverno, pela sua independência, pela sua soberania.
Nesta matéria estou em frontal desacordo com vários Ilustres Académicos e Politólogos que defendem que os Estados Nacionais estão a caminho da extinção.

Ao contrário, e pela análise de vários casos, penso que as tendências de autonomização das Nações são crescentes, (i.e. Espanha (Galegos, Catalães, Bascos), Indonésia, ex-Federação Jugoslava, Iraque e Turquia (Curdos), Índia, Arménia) não obstante a vontade de várias élites, actuais, em verem construídos no planeta um Governo Mundial ou Governos Regionais por de cima das Nações constituídas em Estados.

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Enunciados de Geografia Política,
Geopolítica, Geoestratégia

Vários autores se têm debruçado sobre estes temas e sua definição. Relembram-se aqui apenas algumas dessas tentativas de definição:

Theodore Herman publicou em 1954 na «Geographical Rewiew» a afirmação de que geografia política é o estudo da organização e da expressão do poder político na superfície da terra;
Já no que diz respeito a uma definição de geopolítica Kjellen refere que é a ciência do Estado como organismo geográfico e como soberania, contrapondo Haushoffer que é a ciência que trata da dependência dos factos políticos em relação ao solo. Apoia-se na geografia, e em especial na geografia política, doutrina da estruturação espacial dos organismos políticos. Aspira a proporcionar as armas para acção e os princípios que sirvam de guia na vida política. A geopolítica, diz, é a base de actuação política na luta, de vida ou de morte, dos organismos estatais pelo espaço vital.

Raymond Aron, por outro lado, diz a propósito que o geopolítico vê no meio geográfico o terreno do jogo diplomático e militar. O meio, acrescenta, simplifica-se num quadro abstracto, as populações transformam-se em actores, aparecem e desaparecem sobre a cena do mundo(..)
Mais adiante, na sua obra, refere que as linhas de expansão, como as ameaças à Segurança, são desenhadas antecipadamente sobre a Carta do Globo.
Diz ainda que a Geopolítica combina uma esquematização geográfica das relações diplomático-estratégicas com uma análise geográfico-económica dos recursos, com uma interpretação das atitudes diplomáticas em função do modo de vida e do meio (sedentários, nómadas, terrestres, marítimos).

Já o criador da Geografia Política Frederico Ratzel (um determinista, tendencialmente organicista) teorizou sobre os espaços e sobre as leis do crescimento territorial dos estados.
Ratzel foi o primeiro a elaborar uma teoria geral tentando explicar a cultura social e política em função do meio físico, e demonstrar que o Espaço é Poder.
Vejamos, então, o que, em síntese diz o enunciado da sua teoria dos espaços:
1 – O espaço é um factor primordial na grandeza dos Estados;
2 – Um largo espaço assegura a vida nos Estados por ser uma força e não um mero veículo de forças políticas;
3 – Um grande território incita à expansão e ao crescimento do seu povo e actua como força que imprime nova vida ao sentimento de nacionalidade;
4 – Em todos os tempos só foi poder mundial o que se fez representar em vastos espaços e, especialmente pela sua força, em todos os pontos e momentos críticos.

Passando, para já, por cima, (por não ser objecto deste trabalho), das teorias que se contrapuseram a Ratzel, nomeadamente a do geógrafo francês Vidal La Blanche, e buscando a síntese entre estas duas elaborada pelo Professor Universitário sueco Rudolf Kjellen,diria o seguinte:
As características estabelecidas por Ratzel referem-se sobretudo a um tempo em que as Nações buscavam, a anexação plena de mais espaço, que significava mais recursos e mais poder. Hoje isso, não estando ultrapassado, está um pouco esbatido, ou melhor, hoje já não é tão necessário ocupar para dominar.

Mas, mesmo assim, e no que interessa ao caso de Portugal, vejamos o seu grau de aplicabilidade na história mais recente do País.
Partamos então destes princípios.

1 – O espaço é um factor primordial na grandeza dos Estados;
no caso português e no que respeita à sua grandeza territorial poderemos distinguir três momentos:
a) da fundação à solidificação das fronteiras europeias, (de D. Afonso Henriques a D. João I);
b) do início das descobertas, e consequente conquista de territórios que vieram acrescentar dimensão a Portugal, até ao processo de descolonização, (de D.João I a Novembro de 1975);
c) a partir do regresso ao espaço continental e insular (este último o sobrevivente das descobertas, conquistas e ocupação territorial geradas pelos descobrimentos) - (desde 1975 ao presente);

Assim Portugal foi sucessivamente, em termos de espaço:
1) um pequeno Estado, do mundo eurocêntrico,
2) um grande Estado pluricontinental, chegando no Séc. XVI a ser a Potência dominante do Sistema Internacional,
3) acabando no último quartel do séc. XX por ser:
a) na dimensão europeia: um médio Estado
b) na dimensão internacional: um pequeno Estado.

2 – Um largo espaço assegura a vida nos Estados por ser uma força e não um mero veículo de forças políticas;
sobre este pilar de Ratzel poderíamos dizer que, Portugal, enquanto foi um Estado de grande dimensão pluricontinental, nem sempre aproveitou na sua plenitude este facto por falta de dimensão dos recursos humanos do país, necessários a uma eficaz ocupação dos territórios conquistados; e, também, posteriormente por falta de visão dos sucessivos ocupantes do poder político.
Neste último caso poderia focar como medida deficiente, (dos governantes do final do séc. XIX e da primeira metade do séc. XX) o incentivo da emigração para o Brasil, quando o território já não era nosso, e para a Europa, ao invés de se criarem condições de ocupação efectiva da pluricontinentalidade territorial portuguesa remanescente. Quando foi dada atenção a esta questão (anos 1960) já foi tarde.

3 – Um grande território incita à expansão e ao crescimento do seu povo e actua como força que imprime nova vida ao sentimento de nacionalidade;
deste enunciado ficou, em alguns territórios, o último factor: o sentimento de nacionalidade expresso por factores não formais que todos conhecem e pelos factores formais mais importantes: o passado comum gerado por séculos de convivência, a língua, a cultura e o humanismo das relações interpessoais que caracterizam os portugueses.

4 – Em todos os tempos só foi poder mundial o que se fez representar em vastos espaços e, especialmente pela sua força, em todos os pontos e momentos críticos.

Portugal no séc. XV e XVI foi, claramente a potência dominante pois tinha as capacidades descritas. Manteve-se como uma clara e importante potência internacional, do ponto de vista político, até meados do séc. XX, dada a sua dimensão territorial e o espaço económico daí resultante.
Segundo George Modelsky através dos séculos as Potências Dominantes foram:
Século XV e XVI – Portugal;
Século XVII – Holanda;
Século XVIII e XIX – Grã-Bretanha;
Século XX - Estados Unidos da América.


Fim da 1ª parte de 4 partes
Miguel Mattos ChavesGestor de Empresas
Mestre em Estudos Europeuspela Universidade Católica
Telemóvel: 91 94 000 53 / 96 030 56 12
E-Mail: matos.chaves@oniduo.pt
Blogue: http://mattoschaves.blogspot.com/

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