25 janeiro 2018

a Constitucionalidade do Sistema de Impostos com Taxas Progressivas

Resposta às questões sobre a Constitucionalidade do Sistema de Taxas Progressivas, em sede de IRS.
Concretamente:
a).- Se deveria existir, ou não, um Imposto Único sobre os Rendimentos e se este seria constitucional; mais correctamente, em termos fiscais, se uma Taxa Única seria constitucional;
E
b).- Se a actual situação de existência de um sistema de Taxas Progressivas é, ou não, constitucional;

RESPOSTA ÀS QUESTÕES FORMULADAS

Índice
Parte 1ª).- Introdução
Parte 2ª).- Os Artigos da Constituição
Parte 3ª).- As diversas expressões, conceitos ou vocábulos relevantes
Parte 4ª).- Interpretação subjectiva
Parte 5ª).- Conclusões e Resumo
______________________________

Parte 1ª).- Introdução
Em primeiro lugar, não sou um perito na Constituição. Na verdade sou sim Doutorado mas numa área diversa: - a de Estudos Europeus.

Embora esta área, por natureza, tenha uma vertente jurídica importante, a qual me tem levado a ocupar-me com a análise sobre a conformidade, ou não, das matérias vertidas nos Tratados com a Constituição, não posso, nem quero, passar por “especialista” em Direito Constitucional.

Em segundo lugar, aceitei o desafio colocado por uma pessoa por quem tenho muita consideração, porque considero ser esta uma matéria substantivamente muito importante. Na verdade este tema tem gerado alguma controvérsia, pelo menos nos meios académicos, e nos meios políticos mais esclarecidos, e que reputo de relevante para a nossa vida em sociedade.

Partilho agora convosco essas mesmas análises e conclusões, no texto que agora envio.

Foi com gosto que revisitei a Constituição e a fui analisar, agora à luz das questões de fundo levantadas.

Recordando:
a).- Se deveria existir, ou não, um Imposto Único sobre os Rendimentos e se este seria constitucional; mais correctamente, em termos fiscais, se uma Taxa Única seria constitucional;
E
b).- Se a actual situação de existência de um sistema de Taxas Progressivas é, ou não, constitucional;

Muito brevemente direi que a resposta à primeira, dupla, questão é:
- Na primeira parte: - Inclino-me favorávelmente, no plano teórico, para essa possibilidade;

- Na segunda parte: - a existência de uma Taxa de Imposto, Única, em nada contrariaria a Constituição.

Quanto à segunda pergunta, a minha conclusão é a seguinte:
- A existência do actual sistema de Taxas de Impostos, Progressivas, é conforme ao texto constitucional.

MAS … onde uns são prejudicados, outros são necessáriamente beneficiados.

As razões que me levaram a tais conclusões têm a sua justificação nas análises e no texto que adiante poderá ler.
O desafio que aceitei colocou-me, no entanto, dois reptos subsequentes:
- O primeiro adveio da análise literal da Constituição;

- O segundo adveio da riqueza do vocabulário da língua portuguesa que possibilita as mais variadas interpretações discursivas, em relação a vários dos vocábulos utilizados. E nisso, os juristas, são especialistas, pelo menos os bons.

Por tal facto tentei desmistificar os termos principais, de forma a tentar minorar as tais interpretações discursivas em que o nosso meio é fértil. Não sei se o conseguirei fazer, o leitor dirá.

Sou ainda levado a enunciar uma outra questão: - os Impostos, e as taxas dos mesmos, existem porque o Estado é convencionalmente aceite como a entidade a quem cabe defender o interesse de todos os cidadãos e para isso tem que proceder a várias despesas.

Em troca da justiça, (regulação positiva de conflitos entre as partes), segurança, defesa e garantia da independência e autogoverno da mesma sociedade, (factores esses obrigatóriamente assegurados pelo Estado que representa a Nação), o conjunto dos cidadãos, os membros da sociedade, acordam tacitamente que em troca contribuem com verbas impostas pelo Estado que os representa para que esses factores sejam efectivos.

De há uns anos a esta parte as questões que se levantam são as seguintes:
- Estará o Estado a Impôr demais aos cidadãos, em termos das verbas que lhes exige?

- Estará o Estado a dar, em troca do que Impõe através dos Impostos, o que seria expectável?

- Estará o Estado a aplicar correctamente dinheiro que recebe de todos quantos pagam Impostos?

Poderia discorrer sobre o tema, mas não é esse o objecto deste texto e deixo apenas estas questões para reflexão.

Posto isto, venho agora apresentar as minhas análises, interpretações, e conclusões, pedindo-lhe, caro leitor, que tenha em atenção o acima exposto nesta Introdução, sobretudo o que está escrito no parágrafo um, desta introdução.

Parte 2ª).- Os Artigos da Constituição
Vejamos então o que dizem de mais relevante, na minha opinião, os Artigos da Constituição, que têm relação com a presente matéria, directa ou indirectamente.

E estes, salvo melhor e mais especializada opinião, são os seguintes: (os sublinhados nos textos dos artigos são de minha autoria).

(Nota: na parte 4ª) deste texto procederei ao exercício de dar uma interpretação restritiva dos mesmos, bem como produzir algumas reflexões sobre a possibilidade de uma interpretação extensiva do seu conteúdo).

2.1).- Na Parte I – que se refere aos Direitos e Deveres Fundamentais, no seu Título I dos Princípios Gerais, o Artigo 13º - Princípio da Igualdade - nº 1 e 2 estipula, como anteriormente referido, o seguinte:
nº1) – Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a Lei.

nº2) – Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social.

2.2).- Mais adiante no articulado, nomeadamente no Artigo 18º (Força Jurídica) o nº 1 é claro, quando determina que:
- “Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas”.

2.3).- Já o nº 3 do mesmo artigo estabelece como regra Constitucional que “As leis restritivas (de qualquer direito) ….. têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais”.

2.4).- Na Parte II - referente à Organização Económica, no Título I dos Princípios Gerais, o Artigo 81º estipula como incumbências prioritárias do Estado, na sua alínea b), o seguinte:
- “Promover a justiça social, assegurar a igualdade de oportunidades e operar as necessárias correcções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento, nomeadamente através da política fiscal”.

2.5).- Mais adiante no Título IV, o Artigo 103º referente ao Sistema Fiscal estabelece no seu nº 2., na parte que interessa á questão colocada, o seguinte:
- “Os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes”.

2.6).- Já o Artigo 104º, garante o carácter progressivo do IRS (ou seja, à medida que aumenta a matéria colectável do sujeito passivo, aumenta a taxa de imposto a aplicar à mesma); No texto expressa-se desta forma a posição doutrinária face aos impostos e suas incidências:

nº 1 - Rendimentos Pessoais - “O imposto sobre o rendimento pessoal visa a diminuição das desigualdades e será único e progressivo, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar”;

nº 2 - Rendimento das Empresas – “A tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o rendimento real”;

nº 3 - Património – “A tributação do património deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos”;

nº 4 – Consumo – “A tributação do consumo visa adaptar a estrutura do consumo à evolução das necessidades do desenvolvimento económico e da justiça social, devendo onerar os consumos de luxo”.

2.7).- Na Parte III – referente à Organização do Poder Político, no Título III referente à Assembleia da República, dispõe o Artigo 165º (Reserva Relativa de Competências da AR) no seu Artigo 165º alínea i) o seguinte:
- “Criação de impostos e sistema fiscal e regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas”;

2.8).- No Título IV referente aos poderes e funções do Governo, no seu Capítulo III (Competência) estabelece a Constituição nos:
- Artigo 198º, nº 1, alínea b) – “Fazer decretos-leis em matérias de reserva relativa da Assembleia da República, mediante autorização desta”;

- Artigo 199º -
Alínea a) – “Elaborar os planos, com base nas leis das respectivas grandes opções, e fazê-los executar”;

Alínea b) - “Fazer executar o Orçamento de Estado”;

- Artigo 200º alínea f) - cabe ao Conselho de Ministros - “Aprovar os actos do Governo que envolvam aumento ou diminuição das receitas ou despesas públicas”;

2.9).- Preso com as matérias vertidas, estabelece-se no Título IX – Administração Pública, no enunciado dos seus Princípios Fundamentais o Artigo 266º, nº 2, o seguinte:
- “ Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé”;

Parte 3ª).- As diversas expressões, conceitos e/ou vocábulos relevantes
Dado que a Língua Portuguesa é muito rica, revisitemos agora alguns conceitos ou o significado de algumas palavras que enformam o discurso político, nesta e noutras matérias, e que estão escritas em letra de forma no texto Constitucional português.

3.1).- Justiça Social – Este conceito muito ligado, por vários autores, à Ética é desde há séculos um tema recorrente de discussões e trabalhos doutrinários, tendo em vista as diferentes interpretações aplicadas pelas várias correntes ideológicas.
Uma coisa é certa, não há consenso sobre este conceito filosófico e muito menos sobre a forma de o consagrar em normas do direito positivo.

Vejamos:
- Para Aristóteles, toda ação e omissão humanas em sociedade visam a um bem específico, no qual “a justiça é a virtude que nos leva a desejar o que é justo e evitar o que é injusto”, procurado em si mesmo ou como meio para a busca de outro mais elevado. A doutrina ética de Aristóteles visa orientar toda a ação humana para a consecução do bem comum.

Definia que o vocábulo “justo” guardava uma duplicidade de sentido, em decorrência da similitude de significados. Na primeira acepção, justo identificava-se como aquilo que é “legal”, consentâneo aos ditames da lei política. No segundo sentido, “justo” correspondia ao “igual”, àquilo que obedece a uma igualdade absoluta ou proporcional”.

Diz Aristóteles que “a distribuição de dotações será justa ou injusta conforme atender ou não ao critério da igualdade entre um cidadão e outro”.

- Por seu lado para São Tomás de Aquino o conceito de justiça distributiva é mais amplo do que o de Aristóteles. Define a “justiça distributiva” como aquela que reparte proporcionalmente o que é comum”, tratando-se de bens ou encargos, sobretudo tendo em vista as condições pessoais que constituem a causa do débito.

Outros autores referindo-se ao tema escreveram, em resumo, o seguinte:
- Já mais modernamente, Friedrich Hayek ao escrever sobre este tema afirmava que “Descobrir o significado do que se costuma chamar de “justiça social” tem sido uma das minhas maiores preocupações. (….. ) , cheguei à conclusão de que, com referência a uma sociedade de homens livres, a expressão “justiça social” não tem o menor significado”.

O Professor de Direito e Constitucionalista brasileiro Ricardo Castilho refere a propósito queo maior pressuposto do Direito é o da neutralidade, pois é com essa atitude de cientista que o operador do Direito deve analisar qualquer tema, mergulhando até ao mais profundo nível de entendimento possível, de maneira ideológicamente neutra, sem adopção de qualquer posição em relação às várias correntes “jus políticas”.

No mesmo sentido, Ortega y Gasset definia que “o homem é premiado em resultado das suas próprias circunstâncias”, justificando desta forma a dificuldade de interpretação e aplicação da neutralidade para o próprio Direito, “dada a carga emotiva carregada pelo intérprete. Justiça social é historicamente tema recorrente de discussões e trabalhos doutrinários, tendo em vista as diferentes interpretações aplicadas pelas correntes ideológicas”.

3.2).- Igualdade - Ausência de diferenças, do mesmo valor ou de acordo com o mesmo ponto de vista, quando comparados com outra coisa ou pessoa ou seja, ausência de diferenças na Relação entre grandezas do mesmo valor.

3.3).- Proporção – Algo que possui uma relação idêntica de intensidade, volume, massa, grau, etc., com (outra coisa): exs: taxa de imposto proporcional ao rendimento.

3.4).- Imparcialidade - Caraterística de quem não toma partido numa dada situação.

3.5).- Justiça - Particularidade daquilo que se encontra em correspondência (de acordo) com o que é justo; modo de entender e/ou de julgar aquilo que é correcto. Justiça é sinônimo de: equidade, isenção, foro, alçada, instância.

3.6).- Ligado com este último conceito, vejamos então o que é comummente o significado de “Justo” e seus sinónimos:

- Honesto - quem age ou vive seguindo as normas da justiça e da moral.
- Puro - Considerado puro diante de Deus: - os justos alcançarão os Céus. Em conformidade com a justiça, com a razão - em que há equidade.
- Íntegro - Quem julga ou se comporta de modo imparcial; que não toma partidos.
- Merecido - Que lhe é devido por direito ou dever.
- Legítimo - Quem se pauta por sólidos argumentos; O que tem bons motivos.
- Exacto – Quem se expressa com exatidão, precisão.
- Razoável - Quem tem em consideração a verdade: - narração justa do acontecimento.

3.7).- Matéria Fiscal (sem entrar em mais tecnicidades, na minha opinião inúteis para a matéria em questão)
Normalmente os Impostos são de quota variável, o que significa que a prestação do imposto varia em função da matéria colectável e da taxa expressa em percentagem que se lhe aplica.
Normalmente a adjectivação utlizada para as Taxas é a de Fixa e Variável.
No caso das Taxas variáveis estas podem assumir as seguintes formas ou modalidades:

- Taxa Proporcional ou Taxa Única – existência de uma percentagem única, seja qual for a matéria colectável;

Abro aqui um pequeno parêntesis para referir que os autores divergem nesta denominação. Por exemplo o Prof. Doutor Cimourdain de Oliveira, do Porto, comenta a propósito que “verdadeiramente não se lhe deveria chamar taxa proporcional, mas sim, por exemplo, taxa única, ou taxa constante, pois o que é proporcional (à matéria colectável) é a colecta e não a taxa”.

- Taxa Progressiva quando a percentagem da taxa se eleva à medida que a matéria colectável aumenta;

- Taxa Regressiva – quando a percentagem da taxa diminui à medida que aumenta a matéria colectável;

- Taxa Degressiva – quando há uma percentagem da taxa (taxa normal) correspondente à matéria colectável de determinado valor e taxas menores para matérias colectáveis inferiores.

Postas as questões nos seus devidos termos e relembrados os significados aceites pela comunidade, vamos então à parte mais difícil deste brevíssimo exercício de tentar responder às questões formuladas no ponto 1 deste trabalho, ou seja responder às questões:

a).- Se deveria existir, ou não, um Imposto Único sobre os Rendimentos, mais precisamente uma Taxa Única sobre a matéria colectável, e se isto seria constitucional;
e
b).- Se a actual situação da existência de um sistema de Impostos Progressivos, mais correctamente Taxas Progressivas sobre a matéria colectável, é ou não constitucional;

Parte 4ª).- Interpretação subjectiva
- Restritiva de alguns artigos;
E
- Algumas reflexões sobre a possibilidade de uma interpretação extensiva do seu conteúdo;

Expostas as normas e alguns conceitos tentarei de seguida produzir uns breves comentários, necessáriamente subjectivos, sobre a matéria.

4.1).- Interpretação Restritiva
Na minha opinião, e adoptando uma interpretação restritiva sobre as palavras utilizadas nos artigos, existe uma, pelo menos aparente, contradição dos termos entre:

- O disposto no tal Art.º 13º, incluído na parte dos Direitos e Deveres Fundamentais e suas disposições, o qual impede, e cito, que “Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de (…..) situação económica ….”
E
- O disposto na parte económica da Constituição, nomeadamente no seu Artigo 81º o qual a estipula, como incumbências prioritárias do Estado, na sua alínea b), o seguinte:

- “Promover a justiça social, assegurar a igualdade de oportunidades e operar as necessárias correcções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento, nomeadamente através da política fiscal”.

Comentário: Resulta claro que o legislador pretendeu fazer “Justiça Social”, num determinado sentido, através da “correcção das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento” e indicar claramente que tal deveria ser feito, no detalhe, através da Política Fiscal;

Mas se na verdade a Constituição proíbe o acto de “privilegiar, beneficiar em razão de (…..) situação económica ….”, então a descriminação positiva, que está subjacente no enunciado do Art.º 81º al. b), aparentemente viola o preceito ao favorecer “a correcção das desigualdades… através da política fiscal” daí resultando que onde uns são prejudicados, outros são necessáriamente beneficiados;

De igual modo se é proibido “prejudicarem razão de (…..) situação económica ….” então a descriminação negativa face às pessoas de maior rendimento, aparentemente violaria o texto constitucional pois, de igual modo, onde uns são prejudicados, outros são necessáriamente beneficiados;

Dito isto, então à primeira vista deveria haver um Imposto de Taxa Única e teriam razão os que a defendem.

MAS …

4.2).- Interpretação Extensiva
Mas num exercício/exemplo simples e primário, mas não inocente, vejamos o que na prática dos rendimentos isso significaria:

Pressuposto do exemplo: Taxa Única percentual de 10% sobre a matéria colectável em sede de IRS (deixemos de lado como se procede ao cálculo da matéria colectável, bem como outros impostos directos ou indirectos):

- Contribuinte A tem 100.000 euros de matéria colectável. Pagaria 10.000 euros de imposto; Ficaria com 90.000 euros livres.

- Contribuinte B com 10.000 euros de matéria colectável pagaria 1.000 euros de imposto; Ficaria com 9.000 euros livres.

Se é verdade que as três condições de sobrevivência do ser humano, (as verdadeiras necessidades físicas de sobrevivência) são a Alimentação, o Vestuário e o Abrigo (habitação/tecto/abrigo ou em sentido lato incluindo o vestuário neste conceito) e que estes factores são adquiridos por importâncias em dinheiro oriundo de rendimento (seja qual for a sua fonte) então é claro que o Contribuinte A (independentemente do seu mérito ou do mérito dos seus rendimentos) estaria numa posição muito mais favorável de sobrevivência que o Contribuinte B. (Lei de Lapalisse).

Mas a verdade é que o Ser Humano normal (saudável mentalmente) não é igual, nem quer as mesmas coisas.

Daí que se muitos querem apenas satisfazer as suas necessidades de sobrevivência física (acima referidas) outros porém têm (por si criadas ou induzidas por terceiros ou pelo ambiente ou meio em que vivem) também necessidades já de carácter psicológico, ou seja: - os desejos.

E este patamar superior à satisfação das necessidades básicas ou de sobrevivência já tem a ver com factores subjectivos e são sobretudo de natureza qualitativa. Podem ser exemplificados da seguinte forma:
- Necessidade de sobrevivência básica: Habitação que resguarde a pessoa das condições climatéricas e a proteja de diversas ameaças à manutenção da sua vida física;

- Desejo: Habitação que resguarde a pessoa das condições climatéricas e a proteja de ameaças à manutenção da sua vida física …. MAS (por exemplo) que tenha 3 quartos grandes, sala ampla, 3 WCs com equipamento completo, cozinha toda equipada, casa climatizada, etc… etc…

Os desejos são assim uma evolução qualitativa das necessidades. Já não servem só a necessidade básica de sobrevivência, mas colocam-se no patamar do desejo (mais conforto, mais qualidade, mais alto posicionamento social, pertença a um grupo de referência, etc…).

Ora é evidente que a diferença de rendimentos disponíveis para satisfação das necessidades e dos desejos se faz pela disponibilidade em unidade monetária e não por percentagens.

É assim compreensível que, face a esta realidade, o legislador tenha tido em conta este exercício básico quando legislou em sede da Constituição.
Mas isso não destrói a, pelo menos aparente, incongruência entre os artigos acima referenciados.

Quanto a alguns efeitos que o sistema produz:
Ao adoptar-se no Sistema Fiscal português, que na minha opinião tem suporte na Constituição, a Taxa Progressiva – (ou seja, a percentagem da taxa eleva-se à medida que a matéria colectável aumenta) -, está-se, à primeira vista, a penalizar, a prejudicar, a tratar de forma desigual, uma faixa de pessoas, só pelo facto de estas terem mais rendimentos;

MAS …
Sendo os Rendimentos organizados em patamares, ou em conjuntos pelo menos relativamente homogéneos, tanto quanto é possível, não se pode dizer que seja violado o princípio da Igualdade; isto porque o princípio da igualdade é caracterizado da seguinte forma:

- Existe igualdade quendo se verifica a ausência de diferenças na Relação entre grandezas do mesmo valor.

De facto ao tributar progressivamente por escalões, valores aproximados da mesma grandeza monetária, está-se a respeitar esse princípio.

Uma pequena nota acessória para relembrar que a partir de certos hábitos gerados ao longo da vida de cada um, o Desejo se transforma em Necessidade de Sobrevivência pelo lado do “Equilíbrio Psicológico”.

Isto é, a partir de certo patamar de vida e de hábitos, o ser humano Necessita para se manter psicológicamente equilibrado e saudável, e portanto vivo, de ter ao seu dispor certos bens qualitativamente importantes para si, mesmo que estes não se constituam como condição “sine qua non” de sobrevivência física e neste sentido supérfluos. Ou seja tem necessidade de consumir ou ter a posse de bens ou serviços que estão para além das suas necessidades básicas de sobrevivência. Se os não tiver pode entrar em desequilíbrio mental e poderá ficar em perigo a sua sobrevivência física.

Para além desta possibilidade verificável e comprovada pela ciência médica, a prática das Taxas Progressivas – sobretudo se não forem cuidadosamente estudadas e postas em prática, podem pôr também em causa outros princípios e valores tais como:
- A Meritocracia;
- A necessidade de reconhecimento;
- O desejo de melhorar o nível de vida;
- O desejo de se sentir auto-realizado;

Que Maslow e outros autores estudaram, e continuam a estudar, e que afectam não só o indivíduo, como a comunidade em que está inserido.

Ora o facto de se taxar percentualmente e quantitativamente mais e assim se penalizar/ prejudicar uma faixa de rendimentos/pessoas pode levar estas, a partir de certo nível de taxação, a:

- Desistirem de progredir,

- Desistirem de fazer mais e melhor, numa palavra desincentivá-las,

- Pode fazer com que sejam levadas a contribuir menos para o bem comum ou da comunidade, com prejuízo para ambas as partes.

- Podem ser tentadas a deslocalizarem-se (fiscal ou mesmo fisicamente) do seu território de origem, buscando outros mais favoráveis fiscalmente, com prejuízo para a comunidade de origem.

Portanto, e á luz destas breves reflexões de extensão da interpretação do que de fundamental está prescrito na Constituição, poderemos ser levados a considerar que ou um dos artigos está errado na sua redacção, dado se contradizerem nos seus termos, ou então não se pode “beneficiar ou prejudicar em função do rendimento”.

Assim, na minha opinião, não faz sentido lá estar o que está, “a correcção das desigualdades… através da política fiscal”, o que objectivamente prejudica uns, em favor de outros.

Tal facto possibilita e dá cobertura á prática de uma Política Fiscal onde pontifica o sistema da Taxa Progressiva, o que não pode deixar de ser considerada como razão meramente político-ideológica e como tal discutível.

Parte 5ª).- Conclusões
Posto o que acima brevemente foi exposto, de forma muito e necessáriamente reduzida (muito mais haveria para analisar e discorrer) e quiçá simplista, a minha resposta (que só a mim responsabiliza) às duas questões, é a seguinte:

5.1).- Se deveria existir, ou não, um Imposto, Taxa Única, sobre os Rendimentos e se este seria constitucional;
Pessoalmente inclino-me para uma resposta positiva, em relação à primeira parte da pergunta.

Quanto á segunda parte da mesma, considero que a existência de uma Taxa Única não seria Inconstitucional, pelos motivos, razões acima expostos.
Não iria contra a Igualdade, não contraditaria o Art.º 13º nos seus termos, nem os restantes textos dos artigos da Constituição, acima descritos.

5.2).- Quanto à segunda questão, isto é: - Se a actual situação da existência de um sistema de Impostos, Taxas Progressivas, é ou não constitucional;

A minha resposta é que, vistos os factos e o articulado da Constituição analisado, o sistema de Taxas Progressivas é Constitucional, embora criticável pela sua contradição de termos e pelos vários motivos expostos neste texto.

Em Resumo direi que:
5.3).- Pessoalmente estaria de acordo que deveria ser aplicada uma Taxa Única de Imposto;

5.4).- O facto de haver uma contradição nos termos entre o Artigo 13º e os restantes artigos da Parte Económica da Constituição não significa que haja inconstitucionalidade, a meu ver;
5.4.1.- Porque os artigos da Parte Económica fazem parte integrante do texto constitucional;

5.4.2.- Isto apesar de o legislador não ter sido consequente com o que estipulou nos Direitos Fundamentais;

5.4.3..- O texto Constitucional foi Aprovado pelas forças políticas, (excepto pelo CDS em 1976);
Donde resulta que, embora haja a tal contradição nos termos e na filosofia entre os Direitos Fundamentais e a Parte Económica, a verdade é que o Legislador (a AR) a escreveu dessa forma;

5.5.- Outra coisa seria se no texto Constitucional estivesse a parte dos Direitos Fundamentais (razão de ser de uma Constituição), e não houvesse parte económica (que não devia haver, na minha opinião) e a AR ou o Governo legislasse, como o fez, sobre um Sistema de Taxas progressivas.

Neste caso sim, haveria uma Inconstitucionalidade da existência do Sistema de Taxas Progressivas.

Termino agradecendo, a quem leu o meu texto até aqui, pois a questão colocada obrigou-me a revisitar a Constituição, o nosso sistema de Impostos e outras matérias conexas.
Por fim expresso o meu desejo que o texto produzido lhe seja, de alguma forma, útil e fico naturalmente curioso de ler os seus eventuais comentários, se os entender produzir.

Melhores cumprimentos
Miguel Mattos Chaves
Vice-Presidente da Comissão Europeia da Sociedade de Geografia
Doutorado em Estudos Europeus (Universidade Católica)
Auditor de Defesa Nacional (Instituto da Defesa Nacional)
Gestor de Empresas