24 julho 2019

As Novas Nomeações na União Europeia

COMENTÁRIO POLÍTICO
AS NOVAS NOMEAÇÕES NA UNIÃO EUROPEIA
A PERDA DE SOBERANIA DOS ESTADOS
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Caros Amigos e Estimados Leitores,
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Embora tenha reticências sérias sobre o posicionamento da nova Presidente da Comissão, dou comigo a pensar que talvez tenha sido a melhor, das piores, possibilidades.
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Dentro da nossa sempre saudável troca de ideias permitam-me que partilhe algumas das minhas preocupações e reflexões que básicamente consistem no seguinte:
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Entende-se por Soberania de um Estado "o poder do Estado em relação às pessoas e coisas dentro do seu território, isto é, nos limites da sua jurisdição" e como Autonomia "a competência conferida aos Estados pelo Direito Internacional que se manifesta na afirmação da liberdade do Estado nas suas relações com os demais membros da comunidade internacional, confundindo-se com a independência" (LITRENTO, 2001, 116).
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Igualmente quando analisada no âmbito do Direito Internacional, a Soberania dos Estados pode ser analisada em dois planos:
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a) - No plano horizontal, pois todos os Estados se apresentam numa mesma situação de igualdade;
ou seja, no plano internacional os Estados Soberanos têm o direito de serem respeitados como entidades políticas autónomas e o dever de respeitarem essa mesma circunstância face aos demais Estados do Sistema.
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b) - No plano vertical, quando os Estados livremente aceitam submeter-se às regras internacionais.
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Nesta matéria da Soberania é, no entanto, significativo por exemplo o texto do Acórdão nº 06/64 do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, no qual se admite claramente que existe uma “Limitação na Soberania dos Estados”.
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(...) ao criar uma comunidade de duração ilimitada dotada de instituições próprias, de personalidade, de capacidade jurídica, de capacidade de representação no plano internacional e, mais precisamente, de efectivos poderes oriundos de uma limitação de soberanias ou de uma transferência de poderes dos Estados para a Comunidades, estes limitaram os seus poderes soberanos e, assim, criaram um corpo de leis aplicável tanto aos seus respectivos cidadãos como a eles próprios (...).
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Embora esta disposição seja um pouco atenuada pelo “Princípio da Subsidiariedade”, pelo qual “(…) os Estados-membros decidiram confiar a órgãos comuns, apenas os poderes necessários ao desempenho das tarefas que esses podem realizar de forma mais satisfatória que os Estados considerados isoladamente. (…)
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Posto isto, é evidente que um Estado Soberano, com um Poder Político que se quer sem igual no Plano Interno, e sem superior no Plano Internacional, agindo como representante legítimo de um Povo/Nação, deve atender, em primeiro lugar, aos interesses da Nação que representa sem, no entanto, beliscar ou pôr em causa a autodeterminação política e consequente capacidade de autogoverno do Povo que representa, nem afrontar as mesmas capacidades das outras Nações, (ou conjunto de Nações agrupadas num mesmo Estado Soberano - i.e. Espanha, Bélgica, etc.).
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Ora esta questão da conquista da autodeterminação e da capacidade de autogoverno foi aliás, durante séculos, a razão de inúmeros conflitos armados entre os vários Povos que habitam o Continente Europeu (mas óbviamente, não só).
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Por tal facto, o ADN dos diversos povos não desapareceu. Vidé os 78 movimentos independentistas que existem no Continente de que os Catalães são apenas “a parte mais visível do iceberg”.
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Será a destruição do Direito á Autodeterminação, (que a crescente federalização dos temas acarreta), dos Povos/Nações a forma mais inteligente e segura de assegurar a Paz?
Não o creio!
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Na verdade, o conceito subjacente de Soberania é expresso por vários autores modernos como “a qualidade do poder supremo do Estado de não ser obrigado ou determinado senão pela sua própria vontade, dentro da esfera de sua competência e dos limites superiores do Direito” (PAUPÉRIO, 2000,137).
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É justamente esta característica de Independência no seio do Sistema Internacional que assegura aos Estados a capacidade de se relacionarem saudávelmente uns com os outros.
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No pós-guerra, (no caso da então CEE – Tratado de Roma - até ao Tratado de Maastricht), uma das formas de relacionamento entre Estados é a adesão dos mesmos à integração económica, e, para que isto ocorra, torna-se imprescindível que o conceito de soberania comporte restrições.
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E até aqui, no campo da Economia no seu sentido lato, tudo bem.
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Na verdade “... ocorrem inúmeras limitações à plena extensão teoricamente atribuível ao conceito de soberania, em razão da necessidade de convivência e coordenação dos interesses dos diferentes Estados, restringindo a possibilidade de seu exercício, sem que por isso seja cabível falar em supressão da soberania, qualificando-se a perda da extensão teórica da soberania, em função dos imperativos de convivência dos Estados com os demais, sob a regência das normas de direito internacional geral “ (RIBEIRO, 2001, 37).
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Pode-se assim afirmar que este processo de flexibilização da concepção da soberania, que tem por base o movimento gerado no pós-2ª guerra mundial em favor de uma cooperação cada vez mais estreita entre as Nações, ocasionou algum desgaste dos Poderes Soberanos dos Estados.
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Esta realidade, “perda da extensão teórica da soberania, em função dos imperativos de convivência dos Estados com os demais” está aliás bem expressa no Direito Comunitário, onde se constata alguma abdicação voluntária de parte das Soberanias, por parte dos Estados-Membros.
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Está aí consagrada uma verdadeira subordinação das Ordens Jurídicas nacionais ao interesse comunitário, (i.e., supremacia do Direito Comunitário) etc.
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Para não ir mais além, direi que estou de acordo com a maioria, não todas, destas mudanças no significado e no conteúdo do Conceito de Soberania, ou seja, no poder do Estado Soberano, que representa a Nação, ou as Nações,
mas isso não legitima, na minha opinião, o excessivo “Aprofundamento, Integração, Federalização” de outros temas e questões, para além das de carácter Económico, no seu sentido lato.
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Até porque neste campo, o Económico – (Aduaneiro - Comercial – Financeiro nas suas várias disciplinas, etc.) – todos estamos de acordo, pelo menos no objectivo de interligar, de estreitar, as relações entre Estados e entre Povos.
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E mesmo os fundadores estavam, quase todos, de acordo que este devia ser o campo de um maior aprofundamento, integração, que por ser importante para a vida real das pessoas faria com que todos teriam a ganhar com isso;
como tal, esta integração seria um contribuinte líquido para a Paz e o Progresso, bem como faria com que os custos de saída de uma aliança deste tipo, e neste campo, fossem demasiado desinteressantes para quem a abandonasse.
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Mesmo assim este tema, no período antes da CEE e na vigência da CECA, (1951-1958) não foi pacífico!
(i.e., os Governos do Reino Unido e os restantes seis países fundadores da EFTA).
Mas o que é um facto é que com o nascimento da CEE ele foi sendo progressivamente aceite, até por estes.
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Onde as divergências se fazem notar, e sempre se fizeram notar desde o pós-guerra, no campo dos Europeístas (Intergovernamentalistas e Federalistas), é na extensão do conceito de Integração/Aprofundamento ás matérias que fazem parte do denominado “coração”, ou núcleo central da Soberania dos Estados e Independência das Nações.
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Refiro-me naturalmente, aos campos da Soberania/Independência que, quanto a mim e quanto á esmagadora maioria dos denominados “pais fundadores” da que é hoje a U.E., devem estar Excluídos da Delegação de Poderes por parte dos Estados Soberanos, nos Órgãos da União Europeia, dada a profundidade das suas implicações, as quais determinam o desaparecimento do Direito à Autodeterminação e Autogoverno dos Povos.
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E estes são:
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1. - A definição da Política Externa, a celebração de Tratados (ou Acordos) Internacionais bilaterais ou multilaterais – o “Ius tractum” - e do estabelecimento de Relações Diplomáticas bilaterais entre Estados Soberanos, ou multilaterais dos Estados com as Organizações Internacionais Intergovernamentais - “Ius representationis”;
Cada Estado tem que continuar a poder livremente e sem qualquer constrangimento comunitário a estabelecer relações de qualquer tipo com outros Estados do Sistema.
Não pode a União sobrepor-se a qualquer Estado nesta matéria.
Se a U.E. celebrar acordos com terceiros, cada Estado-membro tem que ser livre de os integrar ou deles não fazer parte, segundo os seus interesses próprios.
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2. - A Política de Defesa, para fazer face às diversas possibilidades de ameaças externas (antigas ou modernas). Definição da respectiva Estratégia, definição de Alianças e alocação dos meios necessários à sua operacionalização, bem como o “Ius belli” ou o direito de fazer a guerra ou de celebrar a paz; este último Direito que embora algo limitado pela Convenção das Nações Unidas, continua a ser exercido pelos Estados, fora ou dentro da Cooperação em blocos colectivos de defesa, tais como a NATO, sem que a Soberania de nenhum dos seus Membros seja colocada sobre a mesa, mesmo à luz do seu Art.º 5º (ataque de terceiros a um dos membros da organização).
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3. - A definição da Política de Justiça e Leis próprias, e Regulação dos Assuntos Internos, dando corpo à definição de Poder sem igual no Plano Interno e sem superior no Plano Internacional no que toca à resolução dos conflitos entre os nacionais e ao Poder que sobre eles o Estado exerce por delegação da Nação - o “Ius civile”, - bem como a regulação das relações jurídicas entre os seus nacionais e os estrangeiros - o “Jus gentium”.
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4. - A definição da sua Política de Segurança face às ameaças internas, bem como forma de obrigar ao cumprimento das Leis estabelecidas pelo Estado Soberano, aplicáveis tanto a nacionais como a estrangeiros que se encontrem em território nacional.
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Dito isto, voltemos aos Modelos de Poder e Organização e temos os DOIS principais, nos quais estou em desacordo com a nova Presidente da Comissão Europeia, quanto á melhor escolha:
1) O Modelo Federal, isto é, o modelo dos Estados Unidos da Europa;
2) O Modelo Intergovernamental, isto é, o modelo da Europa das Nações.
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Sem me querer alongar direi o seguinte:
1º) - O Modelo Federal tem por base a ideia da construção de um Estado Soberano que se sobreponha aos Estados Nacionais.
Assim sendo as Decisões sobre as Políticas Soberanas: Justiça, Defesa, Segurança, Relações Externas, Fiscalidade, Orçamento, Estratégia de Desenvolvimento, passariam para a esfera de um Governo Central Europeu; (algumas destas matérias já o estão).
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Este primeiro modelo tem o grave defeito de se "esquecerem" os 10.000 anos de guerras pela Autodeterminação dos Povos, bem como o de tentar afastar as diferenças de culturas, costumes, história, língua, religião (embora neste último tema a matriz seja algo idêntica) e a capacidade de decidir sobre os destinos de cada Povo, segundo os seus próprios interesses.
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É o Modelo Federal de Jean Monnet, Altiero Spinelli, Joseph Rettinger, Denis de Rougemont e Alexandre Marc e que a Presidente da Comissão defende e que eu recuso.
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2º) - O Modelo Intergovernamental, a Europa das Nações, o qual tem por base a ideia de construção de uma Cooperação Estreita e Permanente entre Estados Soberanos em que as questões que são decididas centralmente são as 4 Liberdades (circulação de bens, pessoas, serviços e direito de estabelecimento), o Mercado Comum, a Pauta Aduaneira Comum, a PAC e outras políticas comerciais e financeiras.
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Este segundo modelo tem a vantagem de que cada Povo continua a ser autónomo nas suas decisões e na sua capacidade de autogoverno.
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É o Modelo Intergovernamental defendido por Aristide Brian, Robert Schumann, Konrad Adenauer, Alcide De Gasperi, Aldo Moro, Charles De Gaulle, Paul Henry Spaak, Van der Zeland, entre centenas de outros Políticos, Pensadores, Professores Universitários e Estadistas europeus.
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POR MIM, como sabem os que me vão lendo
- Acredito e Defendo o Modelo Intergovernamental, a Europa das Nações.
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- Não acredito e Recuso o Modelo de Integração / Aprofundamento / Federal que significa que Portugal com quase 900 anos deixará de ser políticamente Autodeterminado, com um Estado Soberano que governa uma Nação Independente, pelo qual deram o seu sangue e a vida milhares de antepassados nossos.
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Muito mais poderia discorrer sobre esta matéria da Soberania, (que do meu ponto de vista deverá ser INALIENÁVEL), mas vamos a outro ponto da minha divergência.
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A).- A Origem da nova Presidente da Comissão Europeia
De nacionalidade alemã – a Alemanha que quis dominar a Europa, tem agora mais um instrumento, desta vez pacífico, para o fazer.
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Não sejamos ingénuos: - A Alemanha e os seus Governos defendem em primeiro lugar os seus interesses (vidé - Crise das Dívidas Soberanas, - Reconhecimento Unilateral da Croácia – 1992, - Conversações Bilaterais Merkel-Putin - Gás natural, etc…). E bem, digo eu.
Ora acontece que não penso que a nova Presidente da Comissão vá esquecer quem a lá colocou – o Poder Soberano Alemão.
Nas Relações Internacionais – “As Nações não têm Amigos … Defendem Interesses”.
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B).- A origem da nova Governadora do Banco Central Europeu
De nacionalidade Francesa – sem mais comentários, pois não lhe faço a injustiça de lhe explicar as potenciais incidências deste facto.
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C). - Para além de cargos como os de Presidente do Conselho Europeu, do Parlamento Europeu (este o que menos me inquieta dados os seus exíguos poderes) e de outros que nem nos Tratados figuram, (como é o caso do denominado “Presidente do Eurogrupo”) mas que estão na mão de Internacionalistas militantes, contrários à Autodeterminação dos Povos/Nações.
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D). - Quanto à “democraticidade” dos órgãos comunitários:
Para haver democraticidade teria que haver Informação, Esclarecimento, Discussão Pública sobre os temas.
Se tal existe em França, na Alemanha, no Reino Unido e noutros poucos mais países, não existe de facto na esmagadora maioria dos Estados-Membros.
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E dá-se uma situação curiosa:
- Nos países onde a discussão pública é feita com mais vigor, a contestação a este modelo de integração / aprofundamento / federalização é crescente.
- Nos outros, entre os quais Portugal, a obediência e eventual “satisfação” advém da ignorância do que está realmente em causa.
Na verdade em Portugal NADA se discute, nem se esclarece a População, nem os Quadros, sobre o que está em causa e suas possíveis consequências.
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Dito tudo isto, e apresentando desde já as minhas desculpas pela extensão deste texto, apenas motivada pelas novas nomeações, direi que:
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- Sou um europeísta convicto; mas recuso o caminho federalizante que está a ser seguido;
- Preocupação minha agora agravada pelo facto de ver que os novos Postos Cimeiros da organização estão na mão de pessoas originárias dos Estados mais poderosos da União Europeia e são todos eles manifestamente Internacionalistas;
mas como é obvio defenderão os interesses dos seus países de origem, criando o Directório das Potências Dominantes.
- Cada vez tenho menos esperança na sobrevivência desta U.E. por todas as razões acima apontadas.
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Muito mais poderia dizer, mas fico-me, por agora, por aqui.
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Melhores cumprimentos
Miguel Mattos Chaves
Doutorado em Estudos Europeus (Universidade Católica)
Auditor de Defesa Nacional (Instituto da Defesa Nacional)
Gestor de Empresas