COMENTÁRIO POLÍTICO
AS NOVAS NOMEAÇÕES NA UNIÃO EUROPEIA
A PERDA DE SOBERANIA DOS ESTADOS
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Caros Amigos e Estimados Leitores,
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Embora tenha reticências sérias sobre o posicionamento da nova
Presidente da Comissão, dou comigo a pensar que talvez tenha sido a
melhor, das piores, possibilidades.
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Dentro da nossa sempre
saudável troca de ideias permitam-me que partilhe algumas das minhas
preocupações e reflexões que básicamente consistem no seguinte:
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Entende-se por Soberania de um Estado "o poder do Estado em relação às
pessoas e coisas dentro do seu território, isto é, nos limites da sua
jurisdição" e como Autonomia "a competência conferida aos Estados pelo
Direito Internacional que se manifesta na afirmação da liberdade do
Estado nas suas relações com os demais membros da comunidade
internacional, confundindo-se com a independência" (LITRENTO, 2001,
116).
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Igualmente quando analisada no âmbito do Direito Internacional, a Soberania dos Estados pode ser analisada em dois planos:
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a) - No plano horizontal, pois todos os Estados se apresentam numa mesma situação de igualdade;
ou seja, no plano internacional os Estados Soberanos têm o direito de
serem respeitados como entidades políticas autónomas e o dever de
respeitarem essa mesma circunstância face aos demais Estados do Sistema.
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b) - No plano vertical, quando os Estados livremente aceitam submeter-se às regras internacionais.
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Nesta matéria da Soberania é, no entanto, significativo por exemplo o
texto do Acórdão nº 06/64 do Tribunal de Justiça das Comunidades
Europeias, no qual se admite claramente que existe uma “Limitação na
Soberania dos Estados”.
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(...) ao criar uma comunidade de
duração ilimitada dotada de instituições próprias, de personalidade, de
capacidade jurídica, de capacidade de representação no plano
internacional e, mais precisamente, de efectivos poderes oriundos de uma
limitação de soberanias ou de uma transferência de poderes dos Estados
para a Comunidades, estes limitaram os seus poderes soberanos e, assim,
criaram um corpo de leis aplicável tanto aos seus respectivos cidadãos
como a eles próprios (...).
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Embora esta disposição seja um
pouco atenuada pelo “Princípio da Subsidiariedade”, pelo qual “(…) os
Estados-membros decidiram confiar a órgãos comuns, apenas os poderes
necessários ao desempenho das tarefas que esses podem realizar de forma
mais satisfatória que os Estados considerados isoladamente. (…)
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Posto isto, é evidente que um Estado Soberano, com um Poder Político
que se quer sem igual no Plano Interno, e sem superior no Plano
Internacional, agindo como representante legítimo de um Povo/Nação, deve
atender, em primeiro lugar, aos interesses da Nação que representa sem,
no entanto, beliscar ou pôr em causa a autodeterminação política e
consequente capacidade de autogoverno do Povo que representa, nem
afrontar as mesmas capacidades das outras Nações, (ou conjunto de Nações
agrupadas num mesmo Estado Soberano - i.e. Espanha, Bélgica, etc.).
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Ora esta questão da conquista da autodeterminação e da capacidade de
autogoverno foi aliás, durante séculos, a razão de inúmeros conflitos
armados entre os vários Povos que habitam o Continente Europeu (mas
óbviamente, não só).
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Por tal facto, o ADN dos diversos povos
não desapareceu. Vidé os 78 movimentos independentistas que existem no
Continente de que os Catalães são apenas “a parte mais visível do
iceberg”.
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Será a destruição do Direito á Autodeterminação,
(que a crescente federalização dos temas acarreta), dos Povos/Nações a
forma mais inteligente e segura de assegurar a Paz?
Não o creio!
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Na verdade, o conceito subjacente de Soberania é expresso por vários
autores modernos como “a qualidade do poder supremo do Estado de não ser
obrigado ou determinado senão pela sua própria vontade, dentro da
esfera de sua competência e dos limites superiores do Direito”
(PAUPÉRIO, 2000,137).
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É justamente esta característica de
Independência no seio do Sistema Internacional que assegura aos Estados a
capacidade de se relacionarem saudávelmente uns com os outros.
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No pós-guerra, (no caso da então CEE – Tratado de Roma - até ao Tratado
de Maastricht), uma das formas de relacionamento entre Estados é a
adesão dos mesmos à integração económica, e, para que isto ocorra,
torna-se imprescindível que o conceito de soberania comporte restrições.
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E até aqui, no campo da Economia no seu sentido lato, tudo bem.
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Na verdade “... ocorrem inúmeras limitações à plena extensão
teoricamente atribuível ao conceito de soberania, em razão da
necessidade de convivência e coordenação dos interesses dos diferentes
Estados, restringindo a possibilidade de seu exercício, sem que por isso
seja cabível falar em supressão da soberania, qualificando-se a perda
da extensão teórica da soberania, em função dos imperativos de
convivência dos Estados com os demais, sob a regência das normas de
direito internacional geral “ (RIBEIRO, 2001, 37).
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Pode-se
assim afirmar que este processo de flexibilização da concepção da
soberania, que tem por base o movimento gerado no pós-2ª guerra mundial
em favor de uma cooperação cada vez mais estreita entre as Nações,
ocasionou algum desgaste dos Poderes Soberanos dos Estados.
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Esta realidade, “perda da extensão teórica da soberania, em função dos
imperativos de convivência dos Estados com os demais” está aliás bem
expressa no Direito Comunitário, onde se constata alguma abdicação
voluntária de parte das Soberanias, por parte dos Estados-Membros.
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Está aí consagrada uma verdadeira subordinação das Ordens Jurídicas
nacionais ao interesse comunitário, (i.e., supremacia do Direito
Comunitário) etc.
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Para não ir mais além, direi que estou de
acordo com a maioria, não todas, destas mudanças no significado e no
conteúdo do Conceito de Soberania, ou seja, no poder do Estado Soberano,
que representa a Nação, ou as Nações,
mas isso não legitima, na
minha opinião, o excessivo “Aprofundamento, Integração, Federalização”
de outros temas e questões, para além das de carácter Económico, no seu
sentido lato.
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Até porque neste campo, o Económico –
(Aduaneiro - Comercial – Financeiro nas suas várias disciplinas, etc.) –
todos estamos de acordo, pelo menos no objectivo de interligar, de
estreitar, as relações entre Estados e entre Povos.
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E mesmo
os fundadores estavam, quase todos, de acordo que este devia ser o campo
de um maior aprofundamento, integração, que por ser importante para a
vida real das pessoas faria com que todos teriam a ganhar com isso;
como tal, esta integração seria um contribuinte líquido para a Paz e o
Progresso, bem como faria com que os custos de saída de uma aliança
deste tipo, e neste campo, fossem demasiado desinteressantes para quem a
abandonasse.
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Mesmo assim este tema, no período antes da CEE e na vigência da CECA, (1951-1958) não foi pacífico!
(i.e., os Governos do Reino Unido e os restantes seis países fundadores da EFTA).
Mas o que é um facto é que com o nascimento da CEE ele foi sendo progressivamente aceite, até por estes.
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Onde as divergências se fazem notar, e sempre se fizeram notar desde o
pós-guerra, no campo dos Europeístas (Intergovernamentalistas e
Federalistas), é na extensão do conceito de Integração/Aprofundamento ás
matérias que fazem parte do denominado “coração”, ou núcleo central da
Soberania dos Estados e Independência das Nações.
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Refiro-me
naturalmente, aos campos da Soberania/Independência que, quanto a mim e
quanto á esmagadora maioria dos denominados “pais fundadores” da que é
hoje a U.E., devem estar Excluídos da Delegação de Poderes por parte dos
Estados Soberanos, nos Órgãos da União Europeia, dada a profundidade
das suas implicações, as quais determinam o desaparecimento do Direito à
Autodeterminação e Autogoverno dos Povos.
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E estes são:
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1. - A definição da Política Externa, a celebração de Tratados
(ou Acordos) Internacionais bilaterais ou multilaterais – o “Ius
tractum” - e do estabelecimento de Relações Diplomáticas bilaterais
entre Estados Soberanos, ou multilaterais dos Estados com as
Organizações Internacionais Intergovernamentais - “Ius
representationis”;
Cada Estado tem que continuar a poder livremente e
sem qualquer constrangimento comunitário a estabelecer relações de
qualquer tipo com outros Estados do Sistema.
Não pode a União sobrepor-se a qualquer Estado nesta matéria.
Se a U.E. celebrar acordos com terceiros, cada Estado-membro tem que
ser livre de os integrar ou deles não fazer parte, segundo os seus
interesses próprios.
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2. - A Política de Defesa, para
fazer face às diversas possibilidades de ameaças externas (antigas ou
modernas). Definição da respectiva Estratégia, definição de Alianças e
alocação dos meios necessários à sua operacionalização, bem como o “Ius
belli” ou o direito de fazer a guerra ou de celebrar a paz; este último
Direito que embora algo limitado pela Convenção das Nações Unidas,
continua a ser exercido pelos Estados, fora ou dentro da Cooperação em
blocos colectivos de defesa, tais como a NATO, sem que a Soberania de
nenhum dos seus Membros seja colocada sobre a mesa, mesmo à luz do seu
Art.º 5º (ataque de terceiros a um dos membros da organização).
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3. - A definição da Política de Justiça e Leis próprias, e
Regulação dos Assuntos Internos, dando corpo à definição de Poder sem
igual no Plano Interno e sem superior no Plano Internacional no que toca
à resolução dos conflitos entre os nacionais e ao Poder que sobre eles o
Estado exerce por delegação da Nação - o “Ius civile”, - bem como a
regulação das relações jurídicas entre os seus nacionais e os
estrangeiros - o “Jus gentium”.
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4. - A definição da sua
Política de Segurança face às ameaças internas, bem como forma de
obrigar ao cumprimento das Leis estabelecidas pelo Estado Soberano,
aplicáveis tanto a nacionais como a estrangeiros que se encontrem em
território nacional.
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Dito isto, voltemos aos Modelos de Poder
e Organização e temos os DOIS principais, nos quais estou em desacordo
com a nova Presidente da Comissão Europeia, quanto á melhor escolha:
1) O Modelo Federal, isto é, o modelo dos Estados Unidos da Europa;
2) O Modelo Intergovernamental, isto é, o modelo da Europa das Nações.
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Sem me querer alongar direi o seguinte:
1º) - O Modelo Federal tem por base a ideia da construção de um Estado Soberano que se sobreponha aos Estados Nacionais.
Assim sendo as Decisões sobre as Políticas Soberanas: Justiça, Defesa,
Segurança, Relações Externas, Fiscalidade, Orçamento, Estratégia de
Desenvolvimento, passariam para a esfera de um Governo Central Europeu;
(algumas destas matérias já o estão).
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Este primeiro modelo tem
o grave defeito de se "esquecerem" os 10.000 anos de guerras pela
Autodeterminação dos Povos, bem como o de tentar afastar as diferenças
de culturas, costumes, história, língua, religião (embora neste último
tema a matriz seja algo idêntica) e a capacidade de decidir sobre os
destinos de cada Povo, segundo os seus próprios interesses.
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É o
Modelo Federal de Jean Monnet, Altiero Spinelli, Joseph Rettinger,
Denis de Rougemont e Alexandre Marc e que a Presidente da Comissão
defende e que eu recuso.
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2º) - O Modelo Intergovernamental, a
Europa das Nações, o qual tem por base a ideia de construção de uma
Cooperação Estreita e Permanente entre Estados Soberanos em que as
questões que são decididas centralmente são as 4 Liberdades (circulação
de bens, pessoas, serviços e direito de estabelecimento), o Mercado
Comum, a Pauta Aduaneira Comum, a PAC e outras políticas comerciais e
financeiras.
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Este segundo modelo tem a vantagem de que cada
Povo continua a ser autónomo nas suas decisões e na sua capacidade de
autogoverno.
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É o Modelo Intergovernamental defendido por
Aristide Brian, Robert Schumann, Konrad Adenauer, Alcide De Gasperi,
Aldo Moro, Charles De Gaulle, Paul Henry Spaak, Van der Zeland, entre
centenas de outros Políticos, Pensadores, Professores Universitários e
Estadistas europeus.
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POR MIM, como sabem os que me vão lendo
- Acredito e Defendo o Modelo Intergovernamental, a Europa das Nações.
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- Não acredito e Recuso o Modelo de Integração / Aprofundamento /
Federal que significa que Portugal com quase 900 anos deixará de ser
políticamente Autodeterminado, com um Estado Soberano que governa uma
Nação Independente, pelo qual deram o seu sangue e a vida milhares de
antepassados nossos.
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Muito mais poderia discorrer sobre esta
matéria da Soberania, (que do meu ponto de vista deverá ser
INALIENÁVEL), mas vamos a outro ponto da minha divergência.
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A).- A Origem da nova Presidente da Comissão Europeia
De nacionalidade alemã – a Alemanha que quis dominar a Europa, tem
agora mais um instrumento, desta vez pacífico, para o fazer.
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Não sejamos ingénuos: - A Alemanha e os seus Governos defendem em
primeiro lugar os seus interesses (vidé - Crise das Dívidas Soberanas, -
Reconhecimento Unilateral da Croácia – 1992, - Conversações Bilaterais
Merkel-Putin - Gás natural, etc…). E bem, digo eu.
Ora acontece que não penso que a nova Presidente da Comissão vá esquecer quem a lá colocou – o Poder Soberano Alemão.
Nas Relações Internacionais – “As Nações não têm Amigos … Defendem Interesses”.
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B).- A origem da nova Governadora do Banco Central Europeu
De nacionalidade Francesa – sem mais comentários, pois não lhe faço a
injustiça de lhe explicar as potenciais incidências deste facto.
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C). - Para além de cargos como os de Presidente do Conselho Europeu, do
Parlamento Europeu (este o que menos me inquieta dados os seus exíguos
poderes) e de outros que nem nos Tratados figuram, (como é o caso do
denominado “Presidente do Eurogrupo”) mas que estão na mão de
Internacionalistas militantes, contrários à Autodeterminação dos
Povos/Nações.
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D). - Quanto à “democraticidade” dos órgãos comunitários:
Para haver democraticidade teria que haver Informação, Esclarecimento, Discussão Pública sobre os temas.
Se tal existe em França, na Alemanha, no Reino Unido e noutros poucos
mais países, não existe de facto na esmagadora maioria dos
Estados-Membros.
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E dá-se uma situação curiosa:
- Nos
países onde a discussão pública é feita com mais vigor, a contestação a
este modelo de integração / aprofundamento / federalização é crescente.
- Nos outros, entre os quais Portugal, a obediência e eventual “satisfação” advém da ignorância do que está realmente em causa.
Na verdade em Portugal NADA se discute, nem se esclarece a População,
nem os Quadros, sobre o que está em causa e suas possíveis
consequências.
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Dito tudo isto, e apresentando desde já as
minhas desculpas pela extensão deste texto, apenas motivada pelas novas
nomeações, direi que:
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- Sou um europeísta convicto; mas recuso o caminho federalizante que está a ser seguido;
- Preocupação minha agora agravada pelo facto de ver que os novos
Postos Cimeiros da organização estão na mão de pessoas originárias dos
Estados mais poderosos da União Europeia e são todos eles manifestamente
Internacionalistas;
mas como é obvio defenderão os interesses dos seus países de origem, criando o Directório das Potências Dominantes.
- Cada vez tenho menos esperança na sobrevivência desta U.E. por todas as razões acima apontadas.
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Muito mais poderia dizer, mas fico-me, por agora, por aqui.
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Melhores cumprimentos
Miguel Mattos Chaves
Doutorado em Estudos Europeus (Universidade Católica)
Auditor de Defesa Nacional (Instituto da Defesa Nacional)
Gestor de Empresas
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