Políticamente, e como estudioso destas matérias, estou cheio de
curiosidade para ver como é que o TC vai reagir a esta tentativa atrevida e
inusitada, e mesmo imprudente, da Comissão Europeia de sub-valorizar a
Constituição alemã e de defrontar o mais poderoso Tribunal, do mais poderoso
país da União Europeia, acerca do Acórdão de Inconstitucionalidade proferido
por aquele Órgão de Soberana da Alemanha, sobre o acto em preparação de ajuda
suplementar aos Estados-Membros (Decisão vencedora por 7 Juízes contra 1).
1º). - Quanto ao Direito
Nacional
Uma coisa são as Leis emanadas dos Parlamentos Nacionais e os
Decretos-Lei dos Governos dos Estados-Membros, outra coisa é a Constituição de
cada Estado-Membro.
A Constituição é a Lei Suprema na hierarquia do Quadro
Legislativo de qualquer Estado e é superior em valia a qualquer Lei ou Decreto-Lei.
Em Resumo a hierarquia é a seguinte:
Mais importante: - A Constituição
Em 2º lugar: - As Leis da Assembleia da República;
Em 3º lugar: - Os Decretos-Lei do Governo.
Vem isto a propósito do recente Acórdão do Tribunal
Constitucional da Alemanha acerca da participação deste País no novo
"pacote de ajuda financeira" a ser gerido pela Comissão e pelo BCE.
2º). - Quanto ao Direito
Comunitário e sua vigência em cada Estado-Membro
O que foi instituído nos Tratados foi que o Direito Comunitário,
no que se refere a Regulamentos passariam a ter um valor igual às Leis dos
Parlamentos Nacionais, tendo estes uma Aplicabilidade Directa no Ordenamento
Jurídico de cada Estado-Membro.
Por aplicabilidade directa entende-se que não precisavam de
cumprir nenhuma formalidade jurídico-técnica em cada País para terem validade e
aplicação.
Quanto às Directivas ficou estabelecido que estas, sendo de
cumprimento obrigatório, teriam que ser transpostas para o ordenamento jurídico
nacional, ou seja, têm que cumprir as formalidades jurídico-técnicas para
entrarem em vigor no ordenamento jurídico da cada Estado-Membro, nomeadamente a
sua publicação em Diário da República.
3º). - Não entrando em mais
tecnicidades,
O que ficou acordado entre os Estados foi que os Tratados e
Regulamentos e Directivas europeias teriam primazia de aplicação sobre as Leis
e Decretos-Lei de cada Estado.
Mas teriam e seriam de Valor Legal Inferior às Constituições de
cada Estado.
Mesmo para a aplicação dos Regulamentos, o Art.º 8º da nossa
Constituição teve que ser modificado de forma a albergar essa exigência
comunitária.
No que respeita ao Banco Central Europeu as suas competências,
estabelecidas nos Tratados cingiam-se a três principais: - Manter a inflação
controlada em redor dos 2%; - Emitir Moeda – Euro; 3º Superintender o Sistema
de Bancos Centrais.
Ora o que se verifica, desde 2012 é que o BCE fez uma
Interpretação Extensiva dos seus Estatutos e Competências, embora com o acordo
dos Governos, ou um “fechar de olhos” dos então 28 Estados (agora 27).
4º). - Passada esta brevíssima
e incompleta explicação:
Vamos ao CONFLITO
O Tribunal Constitucional da Alemanha veio dizer que a Comissão
Europeia e o BCE estão a extravasar as suas competências e que não nem têm
competência jurídica, nem pode produzir (dispensem-me de tecnicidades) o já tão
prometido e falado “pacote de ajuda financeira” (1,1 a 1,5 biliões de euros) e
muito menos obrigar o Estado Alemão a participar no mesmo.
Na minha opinião, o T.C. alemão tem razão.
Está assim lançado um conflito que o Governo da Alemanha
dificilmente será capaz de ultrapassar, se é que se atreverá a fazê-lo (dado
que na Alemanha o TC tem prestígio e nem o Poder Político se atreve a
desdizê-lo), o que impedirá este país de participar financeiramente no referido
plano.
.
5º). - As consequências:
A Comissão Europeia, seguindo uma prática muito em uso nas
últimas décadas de subversão dos Tratados, por estender demasiado a sua
interpretação, clama que o Direito Comunitário tem supremacia sobre o Direito
Alemão.
Ora tal eventualmente (existe uma grande discussão sobre o
articulado dos Tratados nesta matéria e sua interpretação) pode ser verdade no
que se refere às Leis do Bundestag e aos Decretos-Lei do Governo Federal, mas
não o é seguramente face à Constituição da Alemanha.
E aqui reside a questão de fundo:
·
- O TC diz que a participação da Alemanha no
referido Pacote ou Programa é Anti-Constitucional.
·
- A Comissão diz, e mal na minha opinião, que o
Direito Comunitário prevalece mesmo sobre a Constituição Alemã;
E o conflito Político e Legal instalado entre a Comissão Europeia
e o Tribunal Constitucional Alemão reside nisto.
Creio que esta atitude da Comissão vai sair cara à União
Europeia. Esta pode, por arrogância, ter aberto um conflito de tal magnitude
que poderá ditar a saída da Alemanha da U.E., o que a acontecer acarretaria o
seu fim no mesmo minuto em que tal decisão fosse anunciada.
6º). – O Direito Internacional
e o Sistema Internacional
Até que mude, e ainda não mudou, os Estados
Soberanos são a Entidade mais importante no Sistema Internacional.
São estas entidades as que dão origem às
Organizações Internacionais e lhes concedem mais ou menos legitimidade, ou as
encerram e as dão por findas.
A U.E., que alguns querem levar a ser um
Estado Soberano, (ainda não o é, e espero que nunca o seja) é uma Organização
Internacional, embora “sui generis”.
O Direito Constitucional de cada Estado
Soberano é a sua Lei Suprema e esta não é submetível, nem alienável em favor de
qualquer Ordenamento Jurídico, de qualquer Organização Internacional, que lhe
será sempre inferior em valor e qualidade.
Assim é que até a própria Constituição da
República Portuguesa, para acolher o “Primado do Direito Comunitário Originário
e Derivado”, teve que ver alterado o seu Art.º 8º para acolher, esse Primado em
matéria de Regulamentos e Directivas.
Nunca para submeter a nossa própria
Constituição. Muito menos fizeram os Alemães, na sua Constituição.
Repito: O Direito Comunitário, Originário ou
Derivado é sempre de carácter Infra-Constitucional.
Mesmo o grupo dos “Bons Alunos de Bruxelas”,
nos quais não me incluo, foi forçado a reconhecer tal facto, e teve que levar a
efeito o referido Processo de Revisão Constitucional especial, para acolher,
esse Primado em matéria de Regulamentos e Directivas, prevalecendo o Direito
Comunitário, em caso de "conflito de normas", apenas sobre as Leis do
Parlamento ou sobre os Decretos-Lei do Governo, no nosso caso. Repito, nunca
sobre a Constituição de qualquer Estado.
Compreendo a Interpretação Extensiva que
alguns queiram dar aos Tratados, (inclusivé o Tribunal de Justiça da União
Europeia) e suas Declarações Anexas (que como tal, não têm a mesma força
legal), aproveitando a tentativa de "desvio" a estes
princípios, inclusa no chamado de Tratado de Lisboa. Os se4us autores fazem-no
em defesa da sua linha federalizante!
Ora acontece que muitos mais, estão contra
essa linha e visão do que deve ser a U.E.. Estamos na linha maioritáriamente
fundadora da CEE, a linha da “União da Europa dos Estados Soberanos”,
advogada por De Gaulle, Sandys, Spaak, Schuman, De Gasperi, Adenauer, etc…
unidos nas quatro liberdades fundadoras e nos planos aduaneiro, comercial e
económico.
Como tal, as nossas interpretações
naturalmente divergem. Aliás nada melhor que juntar vários especialistas desta
área, para se notar tal diferença, como por aqui se vê.
Que fique claro, esta minha posição e a dos
especialistas europeus que advogam esta posição, não significa não concordar
com a U.E.
Significa é não concordar com a Interpretação
da Comissão Europeia que advoga, “tout cour” a supremacia do Direito Comunitário
sobre a Constituição de qualquer dos Estados-Membros.
É não concordar com o Modelo Federalizante,
que alguns outros especialistas defendem.
No que me diz respeito, sou tão, ou mais,
Europeísta que eles, pois na verdade defendo o Modelo Original e Maioritário
que deu origem a todo este movimento de concertação dos Estados da Europa:
- "A União dos Estados Soberanos da
Europa", sem alienação de Soberania, por este modelo ser mais Realista,
realizável e defensor da Paz.
Aliás tudo correu bem nesta União, até os
federalistas terem tomado conta do Poder e avançarem, ao arrepio dos seus Povos
e nas costas destes, para este Modelo que pretende subalternizar os Estados
Soberanos.
Nada é irreversível, muito menos em matéria
do Direito Internacional. Aliás como bem se viu com a recente saída do Reino
Unido.
Daí a revolta que se começa a sentir em
vários Países Europeus, e para a qual a esmagadora maioria dos Fundadores
preveniu que iria acontecer se fossem por este modelo de destruir o Direito à
Auto-Determinação dos Povos/Nações da Europa.
A prosseguirem nesta atitude teimosa, e
irrealista, vão destruir uma excelente ideia de União e de manutenção da Paz no
Continente.
7º). – Para
terminar – a questão das Constituições dos Estados
NADA, nenhuma disposição, em qualquer dos
Tratados, desde Roma a Lisboa, diz que Bruxelas (ou melhor o Direito
Comunitário, se sobrepõe à Lei Suprema de cada país (Constituição).
Há apenas um Acórdão do T.J.U.E., nesse
sentido, nada mais!
Há apenas uma alínea, pouco clara, inscrita
na 17ª Declaração Anexa ao Tratado de Lisboa, que vagamente o sugere.
Donde a Interpretação Extensiva que alguns
fazem, inclusivamente a Interpretação Extensiva que a Comissão Europeia vem
agora publicamente por a nu, é apenas um DESEJO, nada mais.
Não tem cobertura legal.
Como a Política e o Quadro Jurídico destas
matérias se confunde, estou cheio de curiosidade de ver como é que o Tribunal Constitucional
Alemão vai reagir a esta reacção da Comissão ao seu primeiro Acórdão e à tentativa
atrevida e inusitada, e mesmo imprudente, por parte da Comissão Europeia e seus
seguidores, de sub-valorizar a Constituição alemã e logo defrontar o mais
poderoso Tribunal do mais poderoso país da União Europeia, quando este Tribunal
proferiu o Acórdão de Inconstitucionalidade sobre o acto em preparação (Decisão
vencedora por 7 Juízes contra 1).
Aguardemos para ver então o que dirá o
Tribunal Constitucional da Alemanha que não “brinca” com estas coisas.
Tenho uma suspeita e uma esperança sobre qual
será a sua decisão. Mas não estou na cabeça dos 7 Juízes desse Tribunal que
votaram, contra, e apenas UM que perfilha essas interpretações da Comissão
Europeia e seus adeptos.
Melhores Cumprimentos
Miguel Mattos Chaves
Mestre e Doutorado em Estudos Europeus
Universidade Católica
Maio de 2020
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