15 maio 2020

A DISPUTA entre o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL da ALEMANHA e a COMISSÃO EUROPEIA



Políticamente, e como estudioso destas matérias, estou cheio de curiosidade para ver como é que o TC vai reagir a esta tentativa atrevida e inusitada, e mesmo imprudente, da Comissão Europeia de sub-valorizar a Constituição alemã e de defrontar o mais poderoso Tribunal, do mais poderoso país da União Europeia, acerca do Acórdão de Inconstitucionalidade proferido por aquele Órgão de Soberana da Alemanha, sobre o acto em preparação de ajuda suplementar aos Estados-Membros (Decisão vencedora por 7 Juízes contra 1).

1º). - Quanto ao Direito Nacional
Uma coisa são as Leis emanadas dos Parlamentos Nacionais e os Decretos-Lei dos Governos dos Estados-Membros, outra coisa é a Constituição de cada Estado-Membro.
A Constituição é a Lei Suprema na hierarquia do Quadro Legislativo de qualquer Estado e é superior em valia a qualquer Lei ou Decreto-Lei.

Em Resumo a hierarquia é a seguinte:
Mais importante: - A Constituição
Em 2º lugar: - As Leis da Assembleia da República;
Em 3º lugar: - Os Decretos-Lei do Governo.
Vem isto a propósito do recente Acórdão do Tribunal Constitucional da Alemanha acerca da participação deste País no novo "pacote de ajuda financeira" a ser gerido pela Comissão e pelo BCE.

2º). - Quanto ao Direito Comunitário e sua vigência em cada Estado-Membro
O que foi instituído nos Tratados foi que o Direito Comunitário, no que se refere a Regulamentos passariam a ter um valor igual às Leis dos Parlamentos Nacionais, tendo estes uma Aplicabilidade Directa no Ordenamento Jurídico de cada Estado-Membro.
Por aplicabilidade directa entende-se que não precisavam de cumprir nenhuma formalidade jurídico-técnica em cada País para terem validade e aplicação.
Quanto às Directivas ficou estabelecido que estas, sendo de cumprimento obrigatório, teriam que ser transpostas para o ordenamento jurídico nacional, ou seja, têm que cumprir as formalidades jurídico-técnicas para entrarem em vigor no ordenamento jurídico da cada Estado-Membro, nomeadamente a sua publicação em Diário da República.

3º). - Não entrando em mais tecnicidades,
O que ficou acordado entre os Estados foi que os Tratados e Regulamentos e Directivas europeias teriam primazia de aplicação sobre as Leis e Decretos-Lei de cada Estado.
Mas teriam e seriam de Valor Legal Inferior às Constituições de cada Estado.
Mesmo para a aplicação dos Regulamentos, o Art.º 8º da nossa Constituição teve que ser modificado de forma a albergar essa exigência comunitária.

No que respeita ao Banco Central Europeu as suas competências, estabelecidas nos Tratados cingiam-se a três principais: - Manter a inflação controlada em redor dos 2%; - Emitir Moeda – Euro; 3º Superintender o Sistema de Bancos Centrais.
Ora o que se verifica, desde 2012 é que o BCE fez uma Interpretação Extensiva dos seus Estatutos e Competências, embora com o acordo dos Governos, ou um “fechar de olhos” dos então 28 Estados (agora 27).

4º). - Passada esta brevíssima e incompleta explicação:
Vamos ao CONFLITO
O Tribunal Constitucional da Alemanha veio dizer que a Comissão Europeia e o BCE estão a extravasar as suas competências e que não nem têm competência jurídica, nem pode produzir (dispensem-me de tecnicidades) o já tão prometido e falado “pacote de ajuda financeira” (1,1 a 1,5 biliões de euros) e muito menos obrigar o Estado Alemão a participar no mesmo.
Na minha opinião, o T.C. alemão tem razão.

Está assim lançado um conflito que o Governo da Alemanha dificilmente será capaz de ultrapassar, se é que se atreverá a fazê-lo (dado que na Alemanha o TC tem prestígio e nem o Poder Político se atreve a desdizê-lo), o que impedirá este país de participar financeiramente no referido plano.
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5º). - As consequências:
A Comissão Europeia, seguindo uma prática muito em uso nas últimas décadas de subversão dos Tratados, por estender demasiado a sua interpretação, clama que o Direito Comunitário tem supremacia sobre o Direito Alemão.
Ora tal eventualmente (existe uma grande discussão sobre o articulado dos Tratados nesta matéria e sua interpretação) pode ser verdade no que se refere às Leis do Bundestag e aos Decretos-Lei do Governo Federal, mas não o é seguramente face à Constituição da Alemanha.

E aqui reside a questão de fundo:
·         - O TC diz que a participação da Alemanha no referido Pacote ou Programa é Anti-Constitucional.
·         - A Comissão diz, e mal na minha opinião, que o Direito Comunitário prevalece mesmo sobre a Constituição Alemã;
E o conflito Político e Legal instalado entre a Comissão Europeia e o Tribunal Constitucional Alemão reside nisto.

Creio que esta atitude da Comissão vai sair cara à União Europeia. Esta pode, por arrogância, ter aberto um conflito de tal magnitude que poderá ditar a saída da Alemanha da U.E., o que a acontecer acarretaria o seu fim no mesmo minuto em que tal decisão fosse anunciada.

6º). – O Direito Internacional e o Sistema Internacional
Até que mude, e ainda não mudou, os Estados Soberanos são a Entidade mais importante no Sistema Internacional.
São estas entidades as que dão origem às Organizações Internacionais e lhes concedem mais ou menos legitimidade, ou as encerram e as dão por findas.
A U.E., que alguns querem levar a ser um Estado Soberano, (ainda não o é, e espero que nunca o seja) é uma Organização Internacional, embora “sui generis”.

O Direito Constitucional de cada Estado Soberano é a sua Lei Suprema e esta não é submetível, nem alienável em favor de qualquer Ordenamento Jurídico, de qualquer Organização Internacional, que lhe será sempre inferior em valor e qualidade.
Assim é que até a própria Constituição da República Portuguesa, para acolher o “Primado do Direito Comunitário Originário e Derivado”, teve que ver alterado o seu Art.º 8º para acolher, esse Primado em matéria de Regulamentos e Directivas.
Nunca para submeter a nossa própria Constituição. Muito menos fizeram os Alemães, na sua Constituição.
Repito: O Direito Comunitário, Originário ou Derivado é sempre de carácter Infra-Constitucional.
Mesmo o grupo dos “Bons Alunos de Bruxelas”, nos quais não me incluo, foi forçado a reconhecer tal facto, e teve que levar a efeito o referido Processo de Revisão Constitucional especial, para acolher, esse Primado em matéria de Regulamentos e Directivas, prevalecendo o Direito Comunitário, em caso de "conflito de normas", apenas sobre as Leis do Parlamento ou sobre os Decretos-Lei do Governo, no nosso caso. Repito, nunca sobre a Constituição de qualquer Estado.

Compreendo a Interpretação Extensiva que alguns queiram dar aos Tratados, (inclusivé o Tribunal de Justiça da União Europeia) e suas Declarações Anexas (que como tal, não têm a mesma força legal), aproveitando a tentativa de "desvio" a estes princípios, inclusa no chamado de Tratado de Lisboa. Os se4us autores fazem-no em defesa da sua linha federalizante!

Ora acontece que muitos mais, estão contra essa linha e visão do que deve ser a U.E.. Estamos na linha maioritáriamente fundadora da CEE, a linha da “União da Europa dos Estados Soberanos”, advogada por De Gaulle, Sandys, Spaak, Schuman, De Gasperi, Adenauer, etc… unidos nas quatro liberdades fundadoras e nos planos aduaneiro, comercial e económico.
Como tal, as nossas interpretações naturalmente divergem. Aliás nada melhor que juntar vários especialistas desta área, para se notar tal diferença, como por aqui se vê.

Que fique claro, esta minha posição e a dos especialistas europeus que advogam esta posição, não significa não concordar com a U.E.
Significa é não concordar com a Interpretação da Comissão Europeia que advoga, “tout cour” a supremacia do Direito Comunitário sobre a Constituição de qualquer dos Estados-Membros.
É não concordar com o Modelo Federalizante, que alguns outros especialistas defendem.
No que me diz respeito, sou tão, ou mais, Europeísta que eles, pois na verdade defendo o Modelo Original e Maioritário que deu origem a todo este movimento de concertação dos Estados da Europa:
- "A União dos Estados Soberanos da Europa", sem alienação de Soberania, por este modelo ser mais Realista, realizável e defensor da Paz.

Aliás tudo correu bem nesta União, até os federalistas terem tomado conta do Poder e avançarem, ao arrepio dos seus Povos e nas costas destes, para este Modelo que pretende subalternizar os Estados Soberanos.
Nada é irreversível, muito menos em matéria do Direito Internacional. Aliás como bem se viu com a recente saída do Reino Unido.
Daí a revolta que se começa a sentir em vários Países Europeus, e para a qual a esmagadora maioria dos Fundadores preveniu que iria acontecer se fossem por este modelo de destruir o Direito à Auto-Determinação dos Povos/Nações da Europa.
A prosseguirem nesta atitude teimosa, e irrealista, vão destruir uma excelente ideia de União e de manutenção da Paz no Continente.

7º). – Para terminar – a questão das Constituições dos Estados
NADA, nenhuma disposição, em qualquer dos Tratados, desde Roma a Lisboa, diz que Bruxelas (ou melhor o Direito Comunitário, se sobrepõe à Lei Suprema de cada país (Constituição).
Há apenas um Acórdão do T.J.U.E., nesse sentido, nada mais!
Há apenas uma alínea, pouco clara, inscrita na 17ª Declaração Anexa ao Tratado de Lisboa, que vagamente o sugere.
Donde a Interpretação Extensiva que alguns fazem, inclusivamente a Interpretação Extensiva que a Comissão Europeia vem agora publicamente por a nu, é apenas um DESEJO, nada mais.
Não tem cobertura legal.

Como a Política e o Quadro Jurídico destas matérias se confunde, estou cheio de curiosidade de ver como é que o Tribunal Constitucional Alemão vai reagir a esta reacção da Comissão ao seu primeiro Acórdão e à tentativa atrevida e inusitada, e mesmo imprudente,  por parte da Comissão Europeia e seus seguidores, de sub-valorizar a Constituição alemã e logo defrontar o mais poderoso Tribunal do mais poderoso país da União Europeia, quando este Tribunal proferiu o Acórdão de Inconstitucionalidade sobre o acto em preparação (Decisão vencedora por 7 Juízes contra 1).

Aguardemos para ver então o que dirá o Tribunal Constitucional da Alemanha que não “brinca” com estas coisas.
Tenho uma suspeita e uma esperança sobre qual será a sua decisão. Mas não estou na cabeça dos 7 Juízes desse Tribunal que votaram, contra, e apenas UM que perfilha essas interpretações da Comissão Europeia e seus adeptos.

Melhores Cumprimentos
Miguel Mattos Chaves
Mestre e Doutorado em Estudos Europeus
Universidade Católica
Maio de 2020

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