16 fevereiro 2008

2ª Parte A Europa em Mutação


A Europa em mutação e as Opções Portuguesas
(parte IIª)

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A Orientação de Política geral Portuguesa do final da 2ª República
A Ruptura Política do 25 de Abril e os novos desafios Político – Diplomáticos

O 25 de Abril de 1974, o subsequente período revolucionário, e a Descolonização

Pode-se considerar esta data como a data de início de um período de Interregno entre a 2ª e a 3ª República.

Nesse caso, a ser aceite esta minha visão dos acontecimentos, este período de interregno durou de Abril de 1974 a 1982, ano em que foi celebrado o acordo para a 1ª Revisão da Constituição de 1976; ano em que se extinguiu o Conselho da Revolução, em que o Governo deixou de responder perante o Presidente da República e em que foi restaurada a autoridade civil sobre o poder militar.

Na madrugada de 25 de Abril era dado o sinal, através da emissão da música “Grândola Vila Morena”, nos Emissores Associados de Lisboa, para o início da movimentação militar que iria pôr fim à 2ª República ou Estado Novo, que tinha durado, desde o plebiscito (referendo) nacional à Constituição de 1933.

Regime que estava em construção desde 1926, quando um outro golpe militar pôs termo à 1ª República que tinha sido instaurada em 5 de Outubro de 1910, que por sua vez, através também de movimentações militares, tinha posto termo à 4ª Dinastia da Monarquia portuguesa.

Ou seja, toda e qualquer mudança de Regime, no século XX, em Portugal foi despoletada pelas Forças Armadas, ... nenhuma por civis.

Era deposto, como já vimos, na tarde do mesmo dia, o Presidente do Conselho Prof. Dr. Marcello Caetano e todo o seu Governo e o Presidente da República Almirante Américo Tomáz, pelo Movimento das Forças Armadas chefiado pelos Generais António de Spínola e Francisco da Costa Gomes, tendo o poder do Estado sido depositado, pela Junta de Salvação Nacional (constituída pelos Generais Spínola, Costa Gomes e Diogo Neto, pelo Coronel piloto-aviador Carlos Galvão de Melo, Almirantes Rosa Coutinho e Leonel Cardoso), saída do MFA, nas mãos do primeiro.

O que parecia uma transição pacífica, não o foi. Na realidade o poder acabou por ser tomado por um golpe de Estado, liderado por militares, e deu origem a uma ruptura administrativa e constitucional.

Deu ainda origem, ao contrário do que tem sido contado aos portugueses, a milhões de mortos nas três ex-Províncias Ultramarinas de Angola, Moçambique e Guiné.

Na realidade, constatada no local pelo autor deste artigo, só em Luanda (Angola) de Abril de 1974 a Novembro de 1975 morreram mais de 40.000 civis, brancos e negros.

Na Guiné os militares do 25 de Abril abandonaram á sua sorte milhares de soldados negros, portugueses, que tinham servido sob a bandeira de Portugal e que foram fuzilados pelos comunistas do PAIGC.

Mas voltando á cronologia dos acontecimentos, pode-se sistematizar o período subsequente ao 25 de Abril de 1974, da vida nacional em 5 fases:

- a 1ª fase - denominando-se como a fase da “ queda do Regime” de 25 de Abril de 1974 a 11 de Março de 1975, data das Nacionalizações;

- a 2ª fase, dominada pela “Crise do 11 de Março” de Março de 1975 a 25 de Novembro de 1975, data da derrota do projecto Comunista Revolucionário;

- a 3ª fase, “transição descontínua” de Novembro de 1975 a Abril de 1976, data das primeiras eleições democráticas, que o Partido Comunista e o Movimento das Forças Armadas tinham tentado impedir;

- a 4ª fase, ou da “Instauração Democrática” de 2 de Abril de 1976 (data da Proclamação da 1ª Constituição da Terceira República) a Outubro de 1982, data da vitória da Aliança Democrática nas eleições legislativas, que agrupava o PPM, o CDS e o PPD;

- e a 5ª fase, a “da Consolidação da Democracia”, entre Outubro de 1982 a 1986, entrando-se a partir daí na “Normalidade Democrática”. Não se irão descrever todas as fases pois o âmbito destes artigos não é esse.

O golpe de Estado foi organizado inicialmente por um conjunto de Capitães das Forças Armadas.

Convém para esclarecimento dos portugueses, sobretudo dos mais novos que se conte agora, a história verdadeira deste movimento, ultimamente muito romanceada, enaltecida e falsificada.

Assim o Movimento dos Capitães, que antecedeu o Movimento das Forças Armadas, teve início em 9 de Setembro de 1973, e teve como factor de agregação inicial uma reivindicação salarial e de condições operacionais, para melhor fazer face ao teatro de guerra. Isto é, os Oficiais do Quadro Permanente das Forças Armadas queriam melhores salários e mais material de guerra para fazer face à guerra nas três províncias.

Para além destas pretensões queriam que se resolvesse em favor dos Oficiais do Quadro Permanente o problema que os opunha aos Oficiais do Quadros de Complemento (constituído por Oficiais Milicianos oriundos do recrutamento obrigatório).

Os Oficiais do Quadro Permanente sentiam-se prejudicados por os Oficiais Milicianos, após cumprirem uma comissão de serviço no Ultramar, poderem passar ao quadro permanente sem terem frequentado, nas mesmas condições dos primeiros, a Academia Militar.

Este movimento, que tomou o nome de Movimento das Forças Armadas (M.F.A.), em 5 de Março de 1974, foi-se politizando, através da infiltração de elementos comunistas, e produziu um documento denominado de Programa das Forças Armadas que enunciava aquilo que era a sua opinião sobre os caminhos que Portugal deveria percorrer.

Pretendia o Movimento das Forças Armadas, como grandes objectivos traçados no seu Programa:
1) Renovar a classe política dirigente,
2) Descolonizar,
3) Democratizar a vida política e
4) Desenvolver o país.

Pretendia o Movimento, acabar com o regime autocrático vigente e instaurar um regime democrático.

Foram, quase de imediato, autorizadas as actividades de partidos políticos e os líderes dos Partido Socialista (o Dr. Mário Soares, licenciado em Letras pela Universidade Clássica de Lisboa, que foi Ministro dos Negócios Estrangeiros do 1º Governo Provisório da 3ª República e eleito Deputado à Assembleia da República para diversas legislaturas, foi também posteriormente Primeiro Ministro por duas vezes (Iº e IXº Governo Constitucional) tendo depois sido eleito como o 4º Presidente da Terceira República, e ainda Deputado ao Parlamento Europeu) e do Partido Comunista (o Dr. Álvaro Cunhal, licenciado em Direito pela Universidade Clássica de Lisboa, que foi Ministro sem Pasta do 1º Governo Provisório, e eleito Deputado à Assembleia da República para diversas legislaturas), que se encontravam no exílio, regressaram a Portugal.

Instalou-se alguma confusão natural num processo dito de revolucionário, deste tipo.

No campo económico foi elaborado pelo Major Melo Antunes um plano, apresentado e aprovado no seio do 4º Governo Provisório, (PPD, PS e PCP) em 7 de Fevereiro de 1975 em que se previa a nacionalização de algumas empresas consideradas estratégicas e a abertura do país à C.E.E. Não chegou a ser implementado dados os acontecimentos do 11 de Março.

Convém relembrar a pequena história do 11 de Março. Tinha sido lançado um “boato”?? de que estavam feitas listas de pessoas a abater, naquilo que se chamaria de “matança da Páscoa”, entre os quais figurariam o Gen. Spínola e todos os oficiais da sua linha.

Ora já tinha havido prisões sem julgamento de várias pessoas. Em face disto o regimento de Pára-quedistas de Tancos avançou sobre Lisboa. Mas sem resultados, por desarticulação e incompetência da sua cadeia de comando.

Na ressaca deste fracassado movimento de tropas, o Gen. Spínola saiu para Espanha, e o 3º Governo Provisório caiu. Foi instituído o Conselho da Revolução, formado por militares dos três ramos das FA’s que tomaram o poder real.

Foi formado o 4º Governo Provisório ainda com os mesmos partidos que já vinham do 1º Governo Provisório: PCP, PS e PPD, a que se juntaram independentes e militares.

A Junta de Salvação Nacional e o Conselho de Estado foram extintos passando a haver um domínio da vida nacional por parte do MFA, através do seu Conselho Coordenador, já claramente dominado pelos Comunistas.

No plano partidário, logo a seguir ao 25 de Abril, autorizaram-se ou fundaram-se vários partidos, dos quais refiro apenas um brevíssimo apontamento sobre os que ainda subsistem, com significativa representação parlamentar:
1. O Partido Comunista Português (PCP) que foi fundado em 1921, sendo à data do 25 de Abril o único partido verdadeiramente organizado, de tendência pró-soviética, leninista-estalinista, liderado pelo Dr. Álvaro Cunhal;
2. O Partido Socialista, marxista-leninista, fundado inicialmente em 1875, extinguir-se-ia nos anos trinta, do século XX. Em 1963 funda-se a Acção Democrática-Social e em 1964 funda-se, em Genebra, a Acção Socialista Portuguesa, tendo esta sido admitida, em 1972, como membro da Internacional Socialista. Em 1973, em Bona, funda-se o Partido Socialista Português (PS), que agrupava as tendências Social-Democrata e os Marxistas Leninistas, cujo Secretário-Geral foi o Dr. Mário Alberto Nobre Soares;
3. O Partido Popular Democrático (PPD), social democrata, de tendência Liberal, da esquerda moderada, (hoje PSD) liderado pelo Dr. Francisco Sá Carneiro, surge em 6 de Maio de 1974
4. e o Centro Democrático Social (CDS), (hoje CDS-PP), de tendência Conservadora e Democrata–Cristã, liderado pelo Prof. Doutor Diogo Freitas do Amaral, surge também nesse ano, no dia 19 de Julho.

As atenções gerais de quase toda a nova classe dirigente, na primeira fase, estavam centradas no tema da descolonização.

A principal preocupação, da primeira vaga de novos governantes e dos militares do Movimento das Forças Armadas, era responder à questão sobre o que fazer com as Províncias Ultramarinas. A desorientação, neste primeiro momento, foi grande. A sede do poder estava fora das esferas normais.

Entretanto o general Spínola que defendia a tese federalista promulgou, apesar dessa sua tese, uma Lei Constitucional (nº7/74 de 27 de Julho), na qual reconhecia o direito das províncias ultramarinas à independência.

O general que defendia a realização de consultas democráticas às populações sobre a matéria, de forma a que estas se pronunciassem sobre o processo, deixava cair as suas ideias e via assim gorados os seus intentos.

Vai mesmo mais longe, face ao que defendia, e toma uma nova medida de sinal contrário: Em 10 de Agosto de 1974 reconhece oficialmente o acesso à independência da Guiné-Bissau, entregando o poder ao P.A.I.G.C., numa cerimónia realizada em Argel no dia 26 de Agosto, tentando ainda controlar o processo de Angola e Moçambique.

Mas a tendência mais radical do MFA que defendia a descolonização imediata, e os partidos de esquerda, PCP, PS e PPD/PSD, não o permitiram. O sinal de fraqueza tinha sido dado.

Já na vigência do IIº Governo Provisório, de que era Primeiro-Ministro o Coronel Vasco Gonçalves, o general Spínola tentou ainda obter o apoio da “maioria silenciosa”, ou seja da maioria da população, convocando uma manifestação para Lisboa que teria lugar a 28 de Setembro de 1974. Mas a população não respondeu aos seus apelos. Em face desta situação, e vendo-se isolado, demitiu-se do cargo de Presidente da República no dia 30 de Setembro, tendo sido nomeado pela Junta de Salvação Nacional, para o substituir, o general Francisco da Costa Gomes.

Para que não se perca “a memória” deste período da vida nacional, só entre Abril de 1974 e Abril de 1976, data em que se realizaram as primeiras eleições gerais legislativas da 3ª República, Portugal conheceu 6 Governos Provisórios, a que correspondeu uma duração média de 4 meses e a desordem imperou no País.

A partir dos acontecimentos de Setembro de 1974, a extrema-esquerda militar e civil tomou conta do processo e este conheceu desenvolvimentos muito rápidos. Após a realização de rondas de conversações, (que foram realizadas só com os movimentos independentistas que tinham desenvolvido a luta armada contra Portugal), foram concedidas as independências a Moçambique em 25 de Junho de 1975, entregando-se o poder à FRELIMO, e a Angola em 11 de Novembro do mesmo ano, entregando-se na realidade, e na prática, o poder ao MPLA.

Nas outras parcelas, em que não tinha havido qualquer conflito armado, foram concedidas as independências a São Tomé e Príncipe em 26 de Novembro de 1974 e a Cabo Verde, entregando-se, neste território, o poder ao PAIGC.

Timor foi abandonado pelas forças armadas portuguesas nas mãos da FRETILIN, de tendência comunista. Na sequência deste abandono a Indonésia, país fortemente anti-comunista, após vários avisos documentados às autoridades portuguesas e norte-americanas, invadiu e ocupou o território. Na sequência desta ocupação assistiu-se a atrocidades incontáveis no território, onde subsistiam bandeiras portuguesas, durante muitos anos, hasteadas por timorenses inconformados com a sua sorte.
Em 2002 tornou-se Timor um país independente, sob os auspícios das Nações Unidas, face aos esforços tardios mas louváveis, desenvolvidos nos últimos anos da década de 1990, pelos governos portugueses. No entanto não foi perguntado aos Timorenses se queriam continuar a ser portugueses. Lamentável!

De comum entre estes territórios existe o facto de que o poder foi entregue aos partidos alinhados com Moscovo, ou seja Comunistas. No cenário bipolar (Sistema Internacional Bipolar em que se defrontavam dois blocos militares, ideológicos e económicos, liderados do lado ocidental pelos EUA e do lado oriental pela URSS), de então, foi o bloco Comunista liderado pela URSS quem ganhou no xadrez das descolonizações portuguesas.

Recorde-se que Portugal recebeu, em apenas cerca de 3 meses, à volta de 800.000 pessoas provenientes do Ultramar, fugidas à guerra, entretanto instalada. Ou seja Portugal absorveu cerca de 7% de população a mais, nesse período.

O desmantelamento da estrutura do Estado português abriu o Oceano Índico e o Oceano Atlântico Sul à expansão soviética, sem qualquer negociação de contrapartidas, sem ordem de batalha, sem assessoramento da comunidade internacional.

Fora deste cenário encontrava-se Macau. Em Macau nada aconteceu e tudo se manteve calmo até que Portugal resolveu, por sua iniciativa, (sem qualquer pedido nesse sentido por parte da Republica Popular da China) abrir negociações que levassem à integração deste território, em 1999, na República Popular da China.

Voltando ao período do Interregno, no campo económico, davam-se as nacionalizações da banca e seguros decididas pelo IIº Governo Provisório (PCP, PS e PPD) em 14 de Março de 1975. Este facto acarretou a nacionalização de práticamente todos os grandes grupos económicos portugueses existentes na altura, (dos quais se destacavam o Grupo Companhia União Fabril (CUF), o Grupo Champalimaud, o Grupo Espírito Santo, o Grupo Vinhas, o Grupo Pinto de Magalhães e o Grupo Quina, para só referir os mais conhecidos da opinião pública), bem como de empresas mais pequenas, dado que os bancos e as companhias seguradoras detinham participações, de várias dimensões, em empresas de vários segmentos da actividade económica.

Ou seja Portugal assistiu à destruição de práticamente todos os seus Centros de Racionalidade Económica, fazendo o País retroceder mais de 20 anos no campo do desenvolvimento económico.

Práticamente, a economia portuguesa ficou, de um momento para o outro, maioritáriamente nas mãos do Estado, o que teve reflexos negativos no desenvolvimento do panorama económico português, nas décadas seguintes. Problema que ainda hoje se faz sentir.

No que se refere à política externa as opiniões dividiam-se.

Travava-se uma luta entre várias correntes de opinião sobre o que deveria ser a política externa de Portugal. Uma dessas correntes apresentava os países do Leste Europeu como alternativa viável para a cooperação económica e trocas comerciais, caso os acontecimentos internos determinassem o corte de ligações com o bloco ocidental.

Esta tese era defendida pelo Coronel Vasco Gonçalves e pelos Comunistas seus apoiantes, o qual pretendia ainda fortalecer as teses pró-soviéticas de uma descolonização, na qual Lisboa ficaria na esfera de influência soviética, via Maputo (Lourenço Marques) e Luanda.

Outra corrente de opinião, queria privilegiar as relações com o Terceiro Mundo, tese defendida sobretudo pelo então Major Ernesto de Melo Antunes, e que consistia na constituição de um eixo Luanda / Maputo, em que Lisboa se apoiaria.

Difusamente, diria mesmo confusamente, o MFA preconizava o alargamento e a diversificação das relações de Portugal como o exterior sem grandes especificações do como, com quem e de que modo.

E, evidentemente, a linha dos que queriam um alinhamento total de Portugal com o bloco ocidental, embora não necessariamente significando, com essa posição, uma entrada na CEE.

Basta ler a imprensa do período entre 1974 e 1976 para se perceber as opções, hesitações e clivagens existentes, face a uma eventual entrada de Portugal na CEE, mesmo entre as pessoas que defendiam a manutenção de Portugal no bloco ocidental.

Na realidade, nos Programas elaborados a seguir à revolução pelos diversos partidos, (PS, PPD e CDS), a CEE é um tema tratado por todos eles mas nenhum defendeu claramente a adesão de Portugal às Comunidades.

O PCP por razões ideológicas, dado pretender a construção de uma Internacional Comunista, sempre se opôs a essa eventualidade.

Nas restantes forças defendia-se sobretudo que Portugal deveria requerer o estatuto de associação antes da eventualidade de pedir a adesão.

(continua )
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Miguel Mattos ChavesGestor de EmpresasMestre em Estudos Europeuspela Universidade CatólicaTELEMÓVEIS: (00351) 91 94 000 53 / (00351) 96 030 56 12E-MAIL: matos.chaves@oniduo.ptBLOGUE: http://mattoschaves.blogspot.com/WEB: http://www.linkedin.com/in/miguelmattoschavesWEB: http://www.alamedadigital.com.pt/n9/index.phpWEB: http://www.alamedadigital.com.pt/n10/index.php

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