Várias pessoas me têm dirigido questões sobre diversos temas importantes.
Em primeiro lugar quero agradecer as perguntas. Passarei hoje a responder a
três delas por me parecerem de interesse para a actualidade nacional e pelo
quadro internacional vigente. Duas delas são sobre temas económico-financeiros
e uma terceira sobre Política Externa e Estratégia de Estado.
Passemos às perguntas que me foram endereçadas e às minhas
necessariamente breves e resumidas respostas:
- 1. Porque é que em 40 anos de
Democracia, já estivemos sob Assistência Internacional por três
vezes?
- 2. Faz sentido continuarmos no Euro, ou seria mais
razoável um regresso ao Escudo ou a criação de uma nova moeda?
- 3. A Lusofonia é sem dúvida um grande Legado que
Portugal deixa à Humanidade. O que é preciso ser
feito?
Porque é que em 40 anos de Democracia, já estivemos sob
assistência internacional por três vezes?
Quanto à primeira questão do porquê de em 40 anos de Democracia
termos tido por três vezes a assistência internacional, tal facto deve-se, na
minha opinião, a vários factores de carácter interno e de carácter externo.
No que se refere aos factores externos temos a instabilidade dos
mercados petrolíferos (combustíveis e energia) que pesam bastante na nossa
Balança de Pagamentos e na nossa Balança de Transacções, factor que é
praticamente comum às três crises.
Por outro lado, a Desregulação do Sistema Financeiro que se deu
na década de 1980, proporcionou uma situação em que foi mais rentável para a
Banca explorar as oportunidades dos mercados financeiros (Bolsas) do que ajudar
a fomentar o crescimento económico e o emprego daí derivado,
Em terceiro lugar, e ainda no que toca aos factores externos,
direi que a União Europeia quis ser o “paladino” da globalização dos mercados e
foi no seio da OMC (negociações do GATT) longe de mais na liberalização das
trocas.
Por força dos interesses de países vendedores de equipamentos
(Reino Unido e Alemanha sobretudo) abriu as suas fronteiras pautais a produtos
manufacturados em países cujos salários, e outros custos de produção, são
manifestamente desiguais face ao modelo de sociedade ocidental.
Acresce que este factor provocou uma crescente deslocalização da
indústria europeia para esses países, atraída pelo menor custo de produção e
pela liberdade de exportar os seus bens para a Europa, com preços muito mais
baixos do que quando os produziam no continente europeu.
Ou seja, com esta filosofia errada de liberalizar – sem cuidar
de perceber quais seriam as consequências para o emprego europeu, para a
criação de riqueza europeia; sem cuidar de saber quais as condições humanas
vigentes nesses países extra-europeus (salários, condições de trabalho,
horários e bem-estar) para os produtores dos produtos – destruiu-se
progressivamente a indústria europeia e destruiu-se boa parte dos empregos
estruturais e, consequentemente, o bem-estar que estes
proporcionavam aos europeus.
Ao nível interno português, destaco em primeiro lugar a
parafernália de promessas de um “el dourado” que o novo regime, saído do 25 de Abril
de 1974, prometeu que iria proporcionar aos portugueses, sem cuidar de perceber
qual seria a sustentabilidade das mesmas; passou a haver um foco nos Direitos
e esqueceram-se os Deveres.
Em segundo lugar, com o PREC destruiu-se o pouco que havia dos grupos
industriais fortes, portugueses, permitindo-se a sua nacionalização, o que
acarretou perdas de produtividade, organização, planeamento, direcção prudente,
o que nos fez retroceder 20 a 30 anos nos índices económicos e desprotegeu o
país face ao exterior.
Em terceiro lugar, tudo isto provocou uma fuga enorme de
capitais do país, por falta de confiança dos investidores.
E a prazo provocou, com a tal desregulação de fronteiras
pautais, a progressiva deslocalização de empresas multinacionais, que até aí tinham
investido em Portugal, para outros países – quer ao nível de construção e
instalação de unidades industriais, quer ao nível do emprego proporcionado.
Em quarto lugar, com a miragem da, então CEE, para onde iam
apenas 25 por cento das nossas exportações em 1973, (o que era razoável em
termos de risco), os nossos empresários passaram a eleger a CEE como nosso
principal destino, passando as nossas exportações a significar (para esses
países) cerca de 78 por cento das nossas exportações, o que se veio a revelar
fatal. Isto porque nos mercados europeus o factor em que se jogou foi o preço
dos bens e serviços e não o seu valor acrescentado.
Em quinto lugar, (a ordem dos factores é arbitrária) entregou-se
o Ultramar português à esfera soviética, numa altura em que o Mundo estava
bipolarizado, e com isso enfraqueceu-se Portugal, e o seu tecido económico
(pela perda súbita de mercados de exportação e de abastecimento de
matérias-primas não sujeitas a cotações internacionais), para além de se terem
destruído as vidas de mais de 800 mil pessoas que levaram os 10/20 anos
seguintes a tentar refazê-las.
Por último, tal como aconteceu com o Ouro do Brasil, deixámos
entrar dinheiro no País oriundo da CEE/UE de qualquer forma, com controlos de
aplicação reduzidos ou errados.
Houve um deslumbramento da classe política que a troco de
promessas fáceis, deu ao país rotundas, auto-estradas, fontanários, pavilhões
gimnodesportivos em aldeias, etc., em vez de se canalizar esse dinheiro para a
reestruturação da indústria, das pescas (vendidas a Espanha) e da agricultura
(vendida a França). Em futuro artigo explicarei melhor este assunto.
Pelo contrário, ao aceitar cegamente tudo o que era originado em
Bruxelas, (até se chegou a pagar aos agricultores para não produzirem, aos
armadores de pesca para venderem as suas embarcações, deixando a indústria
desprotegida e por reestruturar) promoveu-se a desestruturação da produção e
dos hábitos de trabalho.
Com estas atitudes destruíram-se empregos estruturais na nossa
economia, que dificilmente voltarão a ser proporcionados.
E chegou-se a esta situação de desnorte e de empobrecimento.
Faz sentido continuarmos no Euro, ou seria mais razoável um
regresso ao Escudo ou a criação de uma nova moeda?
Clarificando desde já esta questão é preciso dizer que uma União
Monetária faz-se pela fixação de taxas de câmbio fixas e irrevogáveis, não
sendo necessária a adopção de uma Moeda Única, ao contrário do que uma minoria
activa e forte em meios de comunicação nos quis fazer crer.
Ao se entrar numa União Monetária, aprofundada pela existência
de uma Única Moeda, está-se a retirar aos Estados a sua capacidade de gerir a
sua própria política monetária, cambial e orçamental que são instrumentos
fundamentais para a gestão da economia e finanças públicas.
Este facto que afecta decisivamente a governação por parte do
Estado Nacional – da Nação que este representa – facto que pela sua importância
deveria ter sido exposto aos portugueses e aprovado ou rejeitado, pelos mesmos,
em referendo.
Ao contrário foi negociado nas costas da Nação e Imposto como a
solução salvadora. Um único sector foi, e é,
claramente favorecido por uma união deste tipo: o sector bancário, por razões
que todos conhecem.
Na altura tentei alertar as pessoas para estes perigos. Não fui,
nem eu nem os muitos portugueses que tinham e mantêm esta posição, ouvido. Aí
têm os resultados sem mais comentários. Mas esta não deve ser uma questão
fechada.
É bom esclarecer que se um País sair do Euro, pode permanecer na
União Europeia a exemplo dos países que não adoptaram a Moeda Única e que
permanecem na organização.
Temos uma Economia fraca, em comparação com a maioria dos nossos
parceiros do Euro.
Ora, um país com uma Economia Fraca ter uma Moeda Forte pareceu-me,
e continua a parecer-me, um contra-senso, um erro, agravado pelo facto de não
termos uma política monetária, cambial e orçamental autónoma.
Os países da UE que estão fora do Euro continuam a permanecer no
sistema de “serpente monetária” com flutuações controladas das suas moedas e
que me conste não pretendem integrar o euro, na sua maioria.
Por de cima deste facto, não me consta que tenham sido muito
afectados pela presente crise internacional. (consultar por favor o Eurostat).
Penso que este assunto devia ser levado à consideração da Nação,
em Referendo organizado e Livre, (já devia ter sido organizado antes da
entrada) em que as várias visões sobre o assunto sejam expostas de forma
estruturada e séria, pois não existe um única solução e alternativa, ao
contrário do que os Economistas e Comentadores do Regime, avençados pelo
sistema financeiro, têm feito crer.
Existem pelo menos duas
posições a discutir:
- A manutenção no euro;
- A
saída do euro, restauração do Escudo e regresso à “serpente monetária”;
Porque é que não foi feita
esta discussão em Portugal, de forma séria?
Talvez o caso BES e outros semelhantes dêem alguma pista ao
leitor e ajudem a explicar a razão de não se discutir abertamente este tema. Há
muitos “interesses”, nem todos legítimos, por detrás desta situação.
Nos meios de comunicação apenas o Prof. Doutor João Ferreira do
Amaral tem tido voz. Mas existem muito mais pessoas, capazes e
sérias, que poderiam dissertar sobre este tema e explicá-lo em detalhe.
Mas não convém a esses “interesses” que essa discussão se faça.
Uma coisa é certa: os custos de entrada de Portugal no Euro
foram falsificados, de forma grosseira.
Dou apenas alguns Pequenos exemplos: a vulgar “bica” passou em
24 horas de 50 escudos para 50 cêntimos, ou seja 100 escudos; as rendas médias
de casas passaram em apenas dois anos, de 5.000$00/10.000$00 para 500/1.000
euros, ou seja 100.000$00/ a 200.000$00, etc.. etc…
O insuspeito “THE TIMES”, há uns meses, publicou
um estudo em que relatava que a entrada no euro tinha acarretado para os países
do Sul, Portugal incluído, uma perda de cerca de 300 por cento no poder de
aquisição das famílias. Quando se fala que a saída poderá provocar no curto
prazo uma perda de 30% …..
Posto isto, o Euro não é um desígnio nacional, muito menos uma
obrigação jurídica eterna. É um instrumento financeiro que deve ser utilizado, enquanto
for conveniente a Portugal.
Os Tratados são actos Voluntários de Vontade das Nações,
celebrados através dos seus representantes que ocupam as posições competentes
nos Estados que as representam, e em seu nome.
Podem ser igualmente revogados por qualquer das partes quando se
verifique deixarem de ter interesse por qualquer dos signatários, tal como está
demonstrado através da História e do consignado no Direito Internacional
Público.
No caso do Euro, para Portugal, veremos a prazo, qual a sua
evolução e qual a taxa de empobrecimento que ele trará aos cidadãos.
Uma coisa é certa, e os Números não mentem: - Portugal desde
a sua entrada no Euro viu a sua Economia e todos os seus indicadores
Macroeconómicos definhar, lentamente mas tendencialmente a percorrer o caminho
do empobrecimento do País.
Estranho que pessoas com responsabilidades académicas (já que os
políticos não o querem fazer) não façam essas análises. Mais a mais porque os
números são Públicos: por exemplo os do INE e do EUROSTAT.
Uma coisa é certa e indesmentível: - sem o
Euro, teríamos atravessado esta crise financeira internacional com mais à
vontade e sem tantos sacrifícios. Ou, talvez
mesmo, não a teríamos atravessado de todo.
Prudência é portanto a palavra-chave para esta questão.
Discussão pública e democrática, é o mínimo exigível.
Mas inexorávelmente a saída de Portugal do Euro tem que ser
equacionada e preparada, a menos que a classe política e os economistas
comprometidos nos queiram atirar para a miséria.
A Lusofonia é sem dúvida um dos grandes Legados que Portugal
deixa à Humanidade. O quê que é preciso ser feito?
Já o escrevi por diversas vezes de há 20 anos para cá, pelo
menos. Situemos então o problema na questão do Sistema Internacional e de qual
o papel que a CPLP poderia e deveria desempenhar.
Na verdade o Mundo Global que vivemos implica que saibamos (nós
os membros da Lusofonia e da CPLP) que o confronto entre potências mundiais
continua (Federação Russa e EUA), ou directamente ou através dos seus aliados
preferenciais (Países ou Blocos), para além das ameaças prefiguradas pelos
extremismos Islâmicos, “Primaveras Árabes”, e pela situação do conflito
Israelo-Palestiniano, sem fim à vista.
Vide os casos da Ucrânia e da Venezuela, que ainda estão longe
do ‘términus’ das suas presentes crises internas e ainda longe de uma definição
duradoura de Poder, que os leve a uma Paz duradoura.
Ora na verdade é necessário que os novos proto-pólos mundiais
como o Brasil, a Índia, a China e a África do Sul se assumam conscientemente
como tal, para tentarem influir na construção de um Novo Equilíbrio Mundial.
Na verdade têm progressivamente adquirido a consciência de que
têm que exercer, de forma afirmativa, o seu novo papel no Sistema
Internacional, de forma a tentar o tal Novo Equilíbrio.
No caso do Brasil, o Presidente Henrique Cardoso foi o primeiro
a interiorizar que o Brasil não tem que se confinar a um “aparente destino” de
ser apenas uma Potência Regional, tal como até aí acontecia no comando dos
destinos da Nação Irmã.
Ora o Brasil e Portugal, bem como Angola, Moçambique e todos os
outros países de língua oficial portuguesa, têm à sua disposição um novo
instrumento que poderá ser de afirmação internacional.
Só que não o têm visto e tratado como tal:
refiro-me naturalmente à CPLP.
Mas para isso será necessário que todos os integrantes deste
bloco percebam e interiorizem que este instrumento é fundamental para Todos e
que avancem para o seu aprofundamento.
Isto é, a sua extensão para as áreas de Defesa Comum, da
Segurança, da Economia e Finanças e de concertação estratégica a nível de uma
Política Externa baseada em Mínimos Denominadores Comuns que permitam a sua
afirmação como actor internacional.
Para isso é necessário, em primeiro lugar, que os
Governos dos Países deste espaço o interiorizem, isto é que os Poderes
Políticos desses países, percebam que uma Comunidade assim construída pode
potenciar a importância relativa do Bloco e em consequência dos seus
integrantes, com evidentes benefícios potenciais para todos.
Isto, sem prejuízo de se inserirem, ou continuarem inseridos,
noutros Blocos (ASEAN, UE, NAFTA, etc.) que mais convenha aos seus interesses.
Mas tendo a Noção Clara que:
1. Se o fizerem (o aprofundamento da CPLP no Modelo que defendo)
serão parte de um espaço Geopolítico e Geostratégico com relevância mundial.
2. Se o souberem fazer, serão a um tempo: Embaixadores das suas
Alianças Regionais junto da CPLP e Embaixadores da CPLP junto desses espaços,
com os benefícios e sinergias daí resultantes.
Seguindo a mesma linha, e clarificando um pouco o que atrás
escrevi, gostaria de deixar á vossa Reflexão mais os seguintes pontos:
- 1.
A independência das Nações consegue-se, como o venho dizendo há alguns
anos, por vários factores dentre os quais destaco: - a Diversificação de
Dependências Externas;
- 2.
Nessa linha de raciocínio o simples facto de se aprofundar esta aliança,
ainda embrionária, proporcionaria a todos os Estados Integrantes uma
alternativa de dependência externa face a outros blocos;
- 3.
Trata-se de uma Comunidade com cerca de 250 milhões de pessoas, espalhadas
por cinco Continentes (Europa, África Ocidental e Oriental, América do
Sul, Ásia e Oceânia) e três Oceanos (Atlântico, Pacífico e Indico); ou
seja um Espaço Mundial;
- 4.
Tem como factor comum a Língua e uma História de mais de 400 anos, com as
memórias comuns daí advenientes nos povos que habitam esses Estados;
- 5.
São, todos eles, Estados com “territórios” de Mar apreciáveis, alguns
deles com recursos apreciáveis; tal facto podia proporcionar várias
sinergias e uma cooperação em termos do aproveitando das Auto-Estradas
Marítimas que este factor proporciona;
- 6.
Poderia começar-se pela introdução prática de 4 liberdades: Liberdade de
circulação de pessoas, de bens, de capitais e Liberdade de Estabelecimento
e pela constituição de um Mercado Comum para os produtos agrícolas e
industriais;
- 7.
Deveria, no seu seio, ser concertada uma acção de
Política Externa Comum (salvaguardados as pertenças de que acima falei)
que levasse este bloco a tomar posições comuns face aos acontecimentos
mais graves, nos fora internacionais, o que contribuiria para um Novo
Equilíbrio Internacional.
- 8. Quando os nossos Embaixadores (dos vários países) falam
actualmente em algumas Organizações Internacionais, representam Um País. Se representassem oito países, com a implantação referida acima, a sua
importância e o peso das suas palavras seria, de facto, no jogo do Poder
Mundial, diferente porque mais poderosa.
Mais se poderia dizer sobre estes três temas, mas o que reputo
de essencial ficou dito e deixo à vossa reflexão.
MIGUEL
MATTOS CHAVES - Doutorado em Estudos Europeus (dominante: Economia) pela
Universidade Católica Portuguesa.
1 comentário:
Prezado Dr. Matos Chaves,
Fico na esperança de que o governo português, analise os pontos que expôs em seu artigo e que levantam assuntos de alta importância para a economia portuguesa. Aceite os parabéns por estar sempre vigilante em relação aos problemas dos paises lusófonos.
Atc. / José Miranda Reis de Melo
Recife / Brasil
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