19 abril 2018

ACERCA de PORTUGAL - EFTA - CEE - CHURCHILL

QUATRO TEMAS – ESCLARECIMENTO

Num Fórum Académico, onde participei, foram colocados quatro temas em que alguns dos Oradores manifestaram algumas dúvidas ou colocaram os temas de forma imprecisa, senão mesmo incorrecta.

Como não pretendo que estes temas fiquem apenas no âmbito da Discussão da Academia, dada a sua importância, Partilho convosco os Esclarecimentos que dei, embora resumidamente, sobre as matérias em questão.

Assim, e em primeiro lugar, reproduzo as Afirmações que foram produzidas (as quais motivaram a minha intervenção correctiva), e em seguida as Correcções e Esclarecimentos que produzi, e que agora partilho convosco:

(1ª).- Afirmação produzida:
- “A Inglaterra “empurrou-nos” para a EFTA (Associação Europeia de Comércio Livre)”;

(2ª).- Afirmação produzida:
- “Portugal nos anos da década de 1960 estava de “costas voltadas” para a Europa e para a CEE e isolado”;

(3ª).- Afirmação produzida:
- “Winston Churchill advogou os Estados Unidos da Europa";

(4ª).- Afirmação produzida:
“ Winston Churchill “desenhou” as que viriam a ser as 4 (quatro) Liberdades inscritas no Tratado de Roma (liberdade de circulação de pessoas, bens e serviços e liberdade de estabelecimento)”;

As MINHAS CORRECÇÕES e ESCLARECIMENTOS sobre estas Afirmações:

(1ª).- Quanto à 1ª afirmação esclareci então e esclareço agora mais em detalhe, mas resumindo a matéria, o seguinte:
NÃO é verdade que foi a Inglaterra a convidar-nos para pertencermos à EFTA!

Mas, na verdade, a organização AECL/EFTA nasceu indiscutivelmente da iniciativa inglesa.
Vejamos como:
Em Dezembro de 1957 foi convocada pelos Ingleses, em grande segredo, uma reunião que se deveria realizar em Genebra entre o Reino Unido, Áustria, Dinamarca, Noruega, Suécia e Suíça para responder ao Bloco dos Seis (Roma - CEE - 1957) que se tinha formado.

O Embaixador de Portugal, Dr. Teixeira Guerra tinha sabido, pelo delegado Grego na OECE (depois OCDE), da convocação desta reunião restrita dos países industrializados, que a Inglaterra pretendia levar a efeito, e conversou com o Dr. Correia de Oliveira - Subsecretário de Estado do Comércio, com quem combinou o que havia a fazer face a esta iniciativa.

O Dr. Teixeira Guerra contactou em seguida, o Ministro Suíço Hans Schaffner, com quem possuía excelentes relações, a quem convenceu a convidar Portugal para a referida reunião, na qualidade de “observador” usando da sua qualidade de país anfitrião.
Tal aconteceu, e Portugal foi formalmente convidado, pelo Governo Suíço, para a reunião dos seis de Génève, sendo, nesta, representado pelo Dr. Ruy Teixeira Guerra e pelo Embaixador de Portugal, junto da OECE, Dr. José Calvet de Magalhães.

A participação de Portugal provocou alguma surpresa em vários círculos, incluindo os órgãos de informação suíços, nomeadamente na redacção do Journal de Génève, que publicou um artigo onde se dizia que:
- “a reunião a seis, tinha acabado por se desenvolver a sete, dada a inesperada presença portuguesa”.

Nesta reunião a sete foi apresentado pelos nossos Embaixadores um Relatório que tinha sido elaborado pela OECE (posterior OCDE) sobre Portugal, por uma equipa chefiada pelo Sr. Melander (Presidente do Banco Central da Noruega e Secretário-geral adjunto da OECE).

Este relatório foi de extrema importância para a manobra diplomática portuguesa, que assim passou a dispor de um relatório independente, encomendado pela própria OECE, em que se demonstravam três coisas muito importantes:
(1) – Que Portugal merecia a confiança dos seus parceiros, dada a estabilidade das suas Contas e da sua Moeda;
(2) – Que era um país consciente das suas dificuldades e que queria empreender o caminho da Industrialização;
(3) – Que, por outro lado, necessitava de um Período de Transição para a assunção plena das consequências de participar, como membro de pleno direito, numa Zona de Comércio Livre, que se pretendia então construir.

Este relatório serviu de base à argumentação portuguesa que foi desenvolvida, não só em Génève na reunião inicial, como em toda a negociação posterior (Saltsjobaden e Estocolmo).

Em consequência da nossa participação nesta 1ª Reunião, Portugal saiu de Génève como membro de pleno direito da futura A.E.C.L. (Associação Europeia de Comércio Livre/EFTA) o que, considerando que não era uma potência industrial, se pode considerar como um feito diplomático, que se ficou a dever, sobretudo, à perícia negocial de três homens:
- O Dr. José Gonçalo Correia de Oliveira, membro do governo e coordenador da estratégia;
- E dos Embaixadores Drs. Ruy Teixeira Guerra e José Calvet de Magalhães, acompanhados
- pelo Dr. Silva Lopes e pelo Engº Carlos Lourenço.

Nasceu assim, uma nova organização económica, a AECL / EFTA (Estocolmo 1959) estruturada em moldes organizativos diferentes dos propostos pela França e pelos outros membros do Clube dos Seis, de que Portugal foi Membro Fundador, não obstante a Inglaterra ... e Não a convite dela.

(2ª).- Quanto à 2ª afirmação - “Portugal nos anos da década de 1960 estava de “costas voltadas” para a Europa e para a CEE e isolado”, esclareci então e esclareço agora mais em detalhe, mas resumindo a matéria, o seguinte:
NÃO é verdade!
Vejamos os FACTOS;

Havia algo de comum nas preocupações de Portugal e Inglaterra:
(1) eram parceiros comerciais importantes, sendo essa importância mais marcante para Portugal do que para o seu velho aliado;
(2) ambas tinham territórios ultramarinos importantes e
(3) ambos tinham alguma desconfiança face à estratégia da França.

Face aos desenvolvimentos entretanto observados no seio da EFTA e no seio da OCDE, Portugal pediu, pela primeira vez, por Carta datada de 18 de Maio de 1962, dirigida ao Presidente do Conselho da CEE, a abertura de negociações visando «estabelecer os termos da colaboração que o governo português pretendia ver estabelecida, num futuro próximo, entre Portugal e o conjunto dos países da CEE».
Esta carta foi entregue pessoalmente pelo nosso Embaixador Dr. José Calvet de Magalhães, que tinha sido nomeado Embaixador de Portugal junto daquela organização, à pessoa do Sr. Couve de Murville, Presidente do Conselho das Comunidades.

A referida carta, assinada pelo Dr. Correia de Oliveira, pedia a “abertura de negociações para o efeito de se encontrar a fórmula de relações entre Portugal e a CEE, que melhor realizasse os interesses comuns”.

Uma das razões desta proposta portuguesa, acompanhada por outros países, era a de que um dos receios da Inglaterra, de Portugal e de outros países, de ver nascer uma Federação de Estados tinha-se diluído face à prática das actividades da CEE e ao carácter Intergovernamental do Tratado de Roma.

A própria EFTA, já se tinha declarado favorável a negociações bilaterais, entre os países seus associados e a CEE, e vários dos seus membros, entre os quais o Reino Unido tinham pedido mesmo a adesão à CEE. (9 de Agosto de 1961).
Ora o nível de importância das nossas exportações para esses mercados, no cômputo geral, era já demasiado importante para ser menosprezada a hipótese, embora que remota, de virmos a ficar prejudicados pela mudança de bloco dos nossos parceiros comerciais preferenciais.
Ainda nesse ano de 1961 pediram a Adesão a Irlanda e a Dinamarca. A Grécia assinou um acordo de Associação com a Comunidade.

O movimento em direcção às comunidades continuou em 1962.
Nesse ano foi a vez da Espanha apresentar o seu pedido de adesão em Bruxelas a que seguiria a Noruega. Malta, ainda em 1962, pediu a abertura de negociações para uma eventual adesão.

Portanto, nesses dois anos, (61 e 62) nada menos que 7 países pediram ou a abertura de negociações ou a adesão formal, o que indicava já claramente que o movimento dos países europeus ia no sentido de se tentarem agrupar numa só organização, ao invés do movimento dos anos anteriores que ia no sentido de dois projectos distintos, embora com o mesmo fim:
- o de se conseguir uma paz duradoura no continente europeu, através do reforço, pela associação, dos laços económicos que uniam os Estados.

Portugal, estava atento a essas movimentações, mas ao arrepio do que tinha sido a sua atitude inicial face a este projecto, iniciou o seu caminho de aproximação.

Esta mudança pode-se dizer que foi motivada por dois factores principais, de carácter exógeno:
- em 1º lugar pela atitude da Inglaterra, seu parceiro e aliado principal;
- e em 2º lugar porque se percebia que a EFTA corria o risco de ficar esvaziada de boa parte dos seus membros e, em consequência, do seu conteúdo, pelo que interessava a Portugal juntar-se à mudança de atitude que os seus parceiros adoptavam.

Num périplo efectuado pelo Dr. Correia de Oliveira pelas capitais europeias obteve de todos os países o apoio à pretensão de Portugal.

Assim recebeu apoios de:
- Hallstein – Presidente da Comissão das Comunidades;
- Couve de Murville – MNE França e Presidente do Conselho das Comunidades;
- Edward Heath do Reino Unido;
- Paul Henri Spaak da Bélgica - (que refere que apesar das diligências de alguns países africanos para impedir a entrada de Portugal, não dará guarida a tais posições);
- L. Erhard Ministro dos Negócios Estrangeiros da República Federal Alemã – que se declara pessoalmente partidário da admissão não só do Reino Unido como de todos os membros da EFTA e mesmo da Espanha;
- Joseph Luns da Holanda – que diz, na altura, que transmitiu aos seus colaboradores a instrução de que “.. não eram de admitir argumentos contra Portugal baseados em razões de ordem política ou de organização política interna..”.

MAS o General Charles de Gaulle, vetou a entrada da Inglaterra, em 14 de Janeiro de 1963, e todos os processos, dos vários países, incluindo o de Portugal, (a audição do caso português tinha sido marcada para o dia 11 de Fevereiro de 1963, tendo após este veto, sido suspensa “sine die”) ficaram prejudicados e adiados.

(3ª).- Quanto á 3ª afirmação - “Winston Churchill advogou os Estados Unidos da Europa - esclareci então e esclareço agora mais em detalhe, mas resumindo a matéria, o seguinte: 
NÃO é verdade!
Vejamos o que realmente ele disse e as suas razões de facto;

O Reino Unido desde o final da 2ª guerra mostrou-se interessado numa união europeia, mas com um modelo diferente do preconizado pelos outros países do bloco ocidental, então apenas agrupados na OECE.

Começou por advogar, pela voz do seu Primeiro-Ministro Winston Churchill, em Zurique, a construção dos Estados Unidos da Europa. Modelo federal.
Esta posição era, sobretudo, uma reacção contra a União Soviética; era, na sua opinião, o caminho que a Europa deveria seguir para fazer face à ameaça Soviética.

MAS na sua proposta só participariam os países do Continente.
O Reino Unido ficaria de fora.
Para Churchill, como para muitos Ingleses, a Europa era, e é, o continente. As ilhas Britânicas são uma coisa diferente.

Com a sua individualidade muito marcada, os britânicos não queriam delegar poderes de decisão nacionais em organismos comuns.

Assim e logo face à constituição do Bloco dos Seis, (CECA,CEE e CEEA) procuraram encontrar uma alternativa e fundaram a EFTA.

(4ª).- Finalmente quanto à 4ª afirmação de que foi “ Winston Churchill que “desenhou” as que viriam a ser as 4 (quatro) Liberdades inscritas no Tratado de Roma (liberdade de circulação de pessoas, bens e serviços e liberdade de estabelecimento)”, esclareci então e esclareço agora mais em detalhe, mas resumindo a matéria, o seguinte:

NÃO é verdade!
A verdade é que foi Aristide Briand que em 1928 lançou um projecto de união europeia, num discurso que proferiu na Assembleia da Sociedade das Nações.

Neste discurso de Briand perante a Assembleia da Sociedade das Nações apareceram, pela primeira vez as expressões “comunidade europeia“, “mercado comum” e a concepção das que seriam as quatro liberdades, que neste discurso foram só três, por não ter referido os serviços.
A sua concepção ia no sentido de uma união em matérias como a economia e a política, mas sem que este significasse perda ou alienação da Soberania dos Estados.

Recordo que Aristide Briand, francês, natural de Nantes, nascido a 26 de Março de 1862, foi jornalista, homem político e advogado.
Recebeu o Prémio Nobel da Paz em 1926 pela sua luta a favor da Paz mundial.
Iniciou a sua vida política em 1902, ano em que obteve o seu primeiro mandato como Deputado.
Foi por vinte e cinco vezes Ministro e por onze vezes Chefe do Governo francês, entre 1906 e 1932.
Ficou célebre na política internacional por ter dado o nome, (em parceria com Frank Kellog, Secretário de Estado Americano), ao primeiro Pacto Internacional que colocava a guerra “fora da lei“:
- o Pacto Briand-Kellog, como ficou conhecido, que foi assinado em 27 de Agosto de 1928, em Paris, no Quai-D’Orsay.

Espero ter contribuído para o esclarecimento, ainda que de forma muito resumida, destas matérias que, não raro, aparecem no “espaço público” e que são tratadas ou de forma incorrecta ou incompleta (para ser simpático).

Melhores cumprimentos
Miguel Mattos Chaves
Doutorado em Estudos Europeus – Universidade Católica

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