24 julho 2015

UE e Portugal - no princípio como foi ?

A posição portuguesa face às Comunidades Europeias originais (CECA, CEE, CEEA) (Parte I)
As questões estratégicas de Portugal
...
A matéria central da política económica do Dr. Salazar consistia na busca da estabilidade financeira dada a situação, que tinha herdado, de permanente desequilíbrio e descontrolo das contas do país, do período final da Monarquia e do período da 1ª República.
O controlo da despesa pública e o planeamento dos investimentos a efectuar foram duas das suas bandeiras.
...
Isto levou à tomada de medidas como foi o caso da implementação de uma política de condicionamento industrial, que era uma tentativa de defender o frágil tecido empresarial português, nascente e embrionário, dos anos 1930. Este instrumento previa que, para ser efectuado um novo investimento industrial, tinha que se obter uma licença para, o mesmo, ser levado a efeito.
...
Para a obtenção, da referida licença, era necessário um parecer, não vinculativo, do grémio dos produtores do segmento, (em que o novo projecto se pretendia inserir), sobre a entrada de um novo parceiro no negócio.
Dada a autorização o industrial podia levar a efeito os seus investimentos.
...
Por pensar ter interesse a matéria reproduzo aqui o enunciado da teoria que sustentava o conceito da política de Condicionamento Industrial:
- “reconhece-se à iniciativa privada, orientada para a organização corporativa, o direito de instalar novas unidades industriais e de modificar ou transferir as unidades existentes”.
...
E mais adiante ”O Condicionamento Industrial visa evitar “le gaspillage” de capitais, dado que num país em vias de desenvolvimento, não se pode pretender abandonar exclusivamente ao mecanismo de mercado o desenvolvimento económico sendo certas as perdas inevitáveis de capital técnico e financeiro que representaria um tal sistema”.
...
Reconhecemos, no entanto, e ainda por motivos puramente económicos, que se o condicionamento industrial se impõe como uma necessidade imperiosa, é igualmente necessário, à luz da experiência adquirida, de modificar o esquema de execução actual.
...
Mas o que importa desde já esclarecer é que o condicionamento industrial não tem nenhuma ligação com a organização corporativa das actividades. De resto, o corporativismo português não afecta, em doutrina e de facto, a organização das empresas ou a forma da sua administração. Observações idênticas se aplicam no caso do condicionamento em vigor relativo à instalação de empresas pertencentes a estrangeiros ou colocadas sob controlo estrangeiro”.
...
Tudo isto se inseriu no objectivo traçado de desenvolver, de uma forma sistemática e organizada, a industrialização do país.
Este processo começou, verdadeiramente, no final da 2ª guerra e baseou-se sobretudo na progressiva implementação de um quadro de planeamento económico, com vários instrumentos do qual se destacam os denominados Planos de Fomento.
...
No que se refere às comunidades nascentes (CECA, CEE e CEEA) e respondendo a uma consulta de Van Zeeland, então MNE da Bélgica, o Presidente do Conselho respondeu em extensa carta na qual tentou retratar o seu pensamento acerca dos planos que então se faziam.
...
E a dado passo escreveu « ...os Estados Unidos, pela simplicidade do seu espírito e ligeireza das suas opiniões, não veem para a Europa outra solução política que não seja a unidade através da federação... >>;
...
"...a França, adopta a ideia como maneira mais fácil de evitar o rearmamento alemão isolado e amanhã potencialmente hostil; as nações que se agrupam em volta da França parecem convencidas embora por motivos diversos, de que aquele é o melhor caminho de salvar a Europa e talvez o único de assegurar o apoio americano, em potência militar ou em dólares» e mais adiante acrescentava «é sobre tão frágeis fundamentos que se anda a construir a federação da Europa» para logo de seguida se interrogar se essa federação seria possível; respondendo que no domínio da lógica era possível, mas que para lá chegar só via duas maneiras:
- por acto de força de um federador
- ou por lenta evolução, o que poderia levar séculos...".
...
Ora o Dr. Salazar interrogava-se, dadas as circunstâncias do momento, e visto o quadro internacional vigente, sobre quem poderia ser o federador europeu.
E prosseguia na sua análise dizendo que talvez, pela sua força e capacidade potencial, fosse a Alemanha o novo federador.
Neste caso interrogava-se para que teria valido a guerra.
...
“Quanto à hipótese de ser a Inglaterra a assumir esse papel”, retorquia consigo mesmo, que a Inglaterra no território europeu se tinha sempre comportado como um Estado federal, sendo no mundo a cabeça de uma associação de Estados, e que “se enveredasse por esse caminho poderia perder a chefia dessa mesma comunidade e os Estados integrantes, seriam levados a buscar outro ponto de apoio”.
...
Interrogava-se em seguida o Chefe do Governo acerca dos potenciais benefícios para Portugal «Independentemente da aliança antiga, e considerando apenas o jogo das forças mundiais que emergem importaria a Portugal uma Inglaterra forte e independente» e mais adiante «se posso ser interprete do sentimento do povo português, devo afirmar que é tão entranhado o seu amor à independência e aos territórios ultramarinos, como parte relevante e essencial da sua história, que a ideia da federação, com prejuízo de uma e de outros, lhe repugna absolutamente»
...
Era, portanto clara a intenção do Governo português de não participar em nenhuma organização que tivesse por base a ideia de avançar para uma federação de Estados.
...
De notar que na altura em que esta carta foi dirigida a Van Zeeland, estava em formação a mais federalista das comunidades originárias: a CECA.
...
Um outro ponto que importa reter é a referência explícita ao facto de Portugal ter, à semelhança da Inglaterra, territórios ultramarinos e não querer interferências de terceiros no problema.
...
Para o Prof. Mota de Campos a questão era de dupla interpretação:
- por um lado havia a «vocação africana» do país e um sentimento nacional profundamente consciente da necessidade de salvaguardar a plenitude da independência conquistada, e mantida ao longo de séculos, o que fazia com que o governo português encarasse com séria prevenção as intenções políticas expressas ou implícitas, mas não muito claras, da empresa comunitária;
- por outro lado havia a questão, não menos importante, de a Inglaterra ser o principal parceiro económico de Portugal, da altura, quer como fornecedor de bens e serviços, quer como cliente dos bens produzidos no país.
...
Num quadro de incertezas Portugal preferiu aguardar calmamente o desenrolar das situações, aderindo ao que não contrariava a sua política e os seus interesses da altura, e analisando a todo o tempo as posições do seu aliado preferencial.
...
De facto, havia algo de comum nas preocupações de Portugal e Inglaterra:
(1) Eram parceiros comerciais importantes, sendo essa importância mais marcante para Portugal do que para o seu velho aliado;
(2) Ambas tinham territórios ultramarinos importantes e
(3) Ambos tinham alguma desconfiança face à estratégia da França.
...
Esta atitude foi também adoptada, na altura, por vários países europeus que tinham relações estreitas com o Reino Unido, e que vieram mais tarde, tal como Portugal, a aderir às Comunidades, para além dos países que por uma razão ou por outra, como a Finlândia, não aderiram a nenhum dos blocos europeus da época.
...
Mesmo assim e face aos desenvolvimentos posteriores Portugal não deixou de acompanhar as tendências que se viriam a desenhar no xadrez europeu, como adiante veremos.
...
Miguel Mattos Chaves
Doutorado em Estudos Europeus (dominante: Economia)
Auditor de Defesa Nacional

Sem comentários: