23 setembro 2015


As transformações na economia europeia e o desenvolvimentismo português

(excertos do Livro “Portugal face à Construção Europeia – Mitos e Realidades” de Maio de 2005 de minha autoria, editado pela “Sete Caminhos”)

§1º

A Economia Europeia

1.      A Economia Europeia nas décadas de 1950, 1960 e início da de 1970

A Europa, saída da guerra era uma zona do mundo, e não mais aquilo que tinha sido - o centro do mundo – a zona dominante. Esse papel passou a ser desempenhado por duas superpotências, uma euro-asiática e a outra americana.

Todavia a Europa lentamente começou a recuperar da situação de destruição por que tinha passado, quer pelo crescimento individual dos Estados, quer pelas formas de cooperação que conseguiu construir no seu seio, entre esses mesmos Estados, as quais desembocaram na actual situação de se estar a finalizar algo de inédito, em tempo de paz: a correspondência, quase total, entre continente e bloco de cooperação económica e política.

Na verdade, a formação de sistemas de cooperação entre Estados, no pós-guerra, auxiliou bastante a recuperação económica da Europa.

Três grandes Estados, a França, a Itália e a República Federal Alemã atravessaram a guerra, sentiram-na no seu território, foram devastadas por ela, quer em termos humanos, quer em termos económicos e recuperaram de tal forma que no final dos anos sessenta tinham recuperado grande parte do seu poder económico, prestígio e padrões de vida.

Claro que demorou tempo. Logo no final da guerra sentiram-se dificuldades com a falta de dólares necessários para comprar aos EUA os materiais que eram necessários à reconstrução das cidades, das infra-estruturas em geral, e as matérias-primas necessárias para pôr em funcionamento o tecido produtivo.

Do outro lado do Atlântico viria a ajuda no valor de 13 mil milhões de dólares, para os países da OECE, para o período que mediou entre 1948 e 1952 ([1]). Esta ajuda foi fundamental para a rapidez da recuperação.

A RFA recebeu entre 1948 e 1954 cerca de 1.472,6 milhões de dólares do plano, a França 3.103,8 milhões, a Itália 1.577,8 milhões o Reino Unido 3.585,6 milhões, isto para falar somente dos países que receberam a maior fatia da ajuda. Os 4 receberam cerca de 66% da ajuda total. ([2])

A produção industrial dos países da OECE, calculada em relação ao valor de 1938 (base 100) foi de 87% em 1947, de 98% em 1948, de 110% em 1949, de 122% em 1950 e de 134% em 1951.

É a partir desse ano que se começa a falar, por exemplo, do «milagre alemão».

A RFA sob a orientação do chanceler democrata-cristão Konrad Adenauer e do seu Ministro da Economia Ludwig Erhard conheceu uma recuperação notável, de tal forma que em 1956 entrava na era da prosperidade ([3]), graças a um forte e prolongado aumento da taxa de crescimento, que só seria interrompido por uma crise, nos anos de 1966 e 1967. Baseada numa moeda forte e num crescente fluxo de exportações, a RFA tornou-se uma das principais potências económicas.

Na Itália a economia teve um crescimento rápido, sobretudo nas regiões do Norte e do Centro. Os sectores que mais contribuíram para esse crescimento foram os sectores automóvel e de electrodomésticos.

A França teve crescimentos fortes e contínuos até ao choque petrolífero de 1973.

Daí que os franceses quando se referem a este período da sua história, lhe chamam «les Trente Glorieuses», tornando a França numa das principais potências industriais.
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Assim e em termos das taxas anuais médias de crescimento do PNB:

a Alemanha entre 1950 e 1970 cresceu 5,5%, a França 4,8%, e a Itália 5,4%, sendo comum a estes países o facto de ser no quinquénio 1965/1970 que tiveram maiores taxas médias de crescimento anual, respectivamente 6,3%, 5,4% e 6,3%.([4])
……………….
No que se refere ao PIB per capita, a preços de 1990, comparando os anos de 1950 e 1973 a RFA passou de 4.281 para 13.152 USD, a França de 5.221 para 12.940 USD, a Itália de 3.425 para 10.409 USD e o Reino Unido de 6.847 para 11.992 USD. Ou seja a RFA e a Itália triplicaram o seu produto por habitante, e a França mais que duplicou os seus resultados.
……………
Ao mesmo tempo, na Europa, a média passou de 3.568 USD em 1950 para 8.814 USD em 1973, mais que duplicou. Portugal, como se verá, passou de um PIB per capita de 2.218 para 7.568 USD, ou seja mais que triplicou neste período o seu produto interno bruto por habitante.

Comparando com o resto do Mundo a Europa teve um desempenho acima da média, pois enquanto o PIB per capita Mundial subia de 2.138 para 4.123 a Europa andava por valores próximos do dobro.

Quadro IV – 1 - PIB per capita – Preços de 1990 – Valores em USD

País
Zona
Ano
 
 
1950
 
 
1973
 
 
Var %
MUNDO
2.139
4.123
92%
EUROPA
3.568
8.414
136%
EUA
9.573
16.607
73%
RFA
4.281
13.152
207%
FRANÇA
5.221
12.940
148%
ITÁLIA
3.425
10.409
204%
REINO UNIDO
6.847
11.992
75%
ESPANHA
2.630
8.739
232%

Foi este o panorama geral do crescimento económico europeu, medido a partir de um índice que permite algumas comparações.

*
2.      O Choque petrolífero de 1973/1974 e as mutações económicas

Na sequência da guerra do Yom Kippur, travada entre Israel, por um lado e o Egipto e a Síria por outro, iniciada no dia 6 de Outubro de 1973, o petróleo tornou-se uma “arma” no contexto das relações internacionais ([5]). Os EUA ao irem em apoio do seu aliado do médio oriente, provocaram uma reacção por parte da OPEC([6]) que ia no sentido de um embargo generalizado, por parte dos países árabes membros da referida organização, ao fornecimento de petróleo aos países ocidentais. Crise de que também a URSS aliada dos países árabes se aproveitou, como importante produtor de petróleo que era.

Esta crise grave, que afectou práticamente todas as economias ocidentais, foi provocada pelos países produtores de petróleo, sobretudo os do Médio Oriente, que impuseram uma descida dos níveis de produção. Este facto acarretou uma subida dos preços do barril de petróleo dos cerca de 1 dólar para quase 4 dólares ([7]), (quadruplicando o seu valor). Esta atitude provocou uma recessão generalizada das economias ocidentais, por duas razões principais:

            A primeira pelo facto de as economias ocidentais estarem baseadas, em termos do abastecimento de energia, no petróleo e seus derivados. Na verdade as fábricas, os transportes, máquinas agrícolas, a iluminação pública e privada, o aquecimento, etc... funcionavam a partir dos diversos subprodutos do petróleo, como por exemplo, as gasolinas de todo o tipo, gasóleos de todo o tipo, querosene, fuel, óleos lubrificantes, óleos pesados etc., pelo que a subida do seu custo implicou uma subida nos seus respectivos custos de produção, ou de laboração, e consequentemente provocou uma subida dos preços de venda dos serviços prestados por essas empresas e uma subida generalizada dos preços de venda dos produtos por elas fabricados, ou produzidos.

O resultado de tudo isto foi que os preços nos consumidores, privados ou públicos, individuais ou empresariais subiram muito, em pouco tempo.

Esta subida generalizada dos preços provocou uma quebra no poder de compra por parte do consumo, o que por sua vez provocou uma necessidade de abrandamento da produção, por abrandamento da procura, induzindo uma grave crise económica.

As crises, sobretudo a primeira por completamente inesperada, podem ser caracterizadas, de um modo simples e curto, por uma trilogia de factores, que coincidiram no tempo e no espaço: (1) Os preços do petróleo subiram, (2) A Economia deixou de crescer, por abrandamento quer do investimento quer do consumo, (3) os preços dos bens e serviços subiram. Assim juntou-se a inflação, à paragem do crescimento da economia e como consequência o desemprego subiu.

A desconfiança de investidores e consumidores instalou-se, com prejuízo para o bom andamento e desenvolvimento da economia dos países ocidentais.

Ao contrário, os países produtores de petróleo tiveram crescimentos exponenciais nos seus rendimentos. Nalguns o efeito generalizado foi benéfico para a melhoria das condições de vida dos seus habitantes, noutros foi apenas a sua classe dirigente que beneficiou com esta situação.

Os reflexos destas crises começaram a deixar de se fazer sentir a partir de 1983, mas o desemprego, sobretudo na França e no Reino Unido, perdurou por mais alguns anos, a taxas elevadas. ([8]) No entanto estas crises tiveram alguns efeitos positivos. Esta situação, provocada pela primeira crise de 1973, juntamente com o segundo choque petrolífero de 1979, em que o barril de petróleo passou para os cerca de 16 dólares ([9]), (triplicando de valor) chegando o “arabian light” a 34 dólares o barril em 1981 ([10]), provocou a necessidade de se encontrarem fontes de energia alternativas ao petróleo. Esta necessidade contribuiu, e continua a contribuir, para um maior progresso tecnológico da humanidade. Quer pelas tentativas de diminuir a dependência do consumo do petróleo e seus derivados, quer porque em termos de ambiente se assistiu, e se continua a assistir, a algumas melhorias, em algumas zonas, por diminuição de emissões resultantes da queima destes produtos. Surgiram algumas indústrias de energias renováveis, como a eólica, outras levaram um novo impulso, a hidroeléctrica. As maquinarias industriais, mercê da investigação tecnológica, começaram a produzir mais, gastando menos energia.

Por outro lado os agentes económicos começaram a ser mais criteriosos e cuidadosos no uso da energia, a aproveitá-la melhor e mais eficazmente, quer pela introdução de sistemas de controlo específicos, quer pela introdução de novas tecnologias.

…………….

De qualquer forma esta crise internacional, pode dizer-se que acabou com os cerca de trinta anos da “segunda Belle Époque” que se tinham caracterizado por um acentuado crescimento do nível de bem-estar das populações, - pelo menos das europeias e americanas, - da economia internacional, em geral e da portuguesa, em particular.

Por via destas crises, o desenvolvimento do processo da criação da UEM conheceu uma paragem forçada e, o mesmo, só viria a ser retomado no final da década de 1980 e início da década de 1990, do século XX, como veremos.

… (CONTINUA) ....

Miguel Mattos Chaves

Gestor de empresas

Doutorado em Estudos Europeus (dominante: Economia)

Auditor de Defesa Nacional


Web link: http://pt.linkedin.com/in/miguelmattoschaves


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