O aprofundamento do eixo
Londres-Washington
Estamos no começo de um ano que
promete vir a ser muito interessante, quer para os estudiosos do Sistema
Internacional, quer para os cidadãos em geral, sobretudo para os residentes nos
países do denominado Ocidente.
Vários temas têm dominado o espaço
público de discussão, embora nem todos tenham suscitado o interesse da
esmagadora maioria das pessoas.
Mas, por outro lado, tenho visto
com crescente curiosidade a aproximação de pessoas que até agora viam a
política como uma maçada, ou se tinham distanciado da discussão dos temas
principais, com o argumento de que “isso é com os políticos”, a aproximarem-se
dos temas políticos e a tomarem posição sobre os mesmos.
Já dizia Platão que “O castigo dos bons, que não fazem política, é serem
governados pelos maus.”
Felizmente que vários milhões de cidadãos, em vários países, (EUA,
França, Itália, Alemanha, Espanha e outros) estão a abandonar a atitude
abstencionista e estão, com isso, a abanar um sistema que está corrupto, caduco
e podre, de forma a tentar mudá-lo.
Sobretudo na esfera da Direita política que há longos anos estava quase
sem iniciativa e mesmo singularmente manietada, por um sentimento de
impotência, de desistência, de alheamento, que só prejudicou a política
internacional, em geral, e o grau civilizacional do Ocidente, em particular.
Isto nomeadamente porque entretanto se assistiu a uma subalternização da
Ética, e da Moral Cristã, o que deu origem ao reaparecimento de vários
comportamentos que se julgavam já extintos, e que eram próprios de civilizações
contemporãneas do ser humano no seu estado primordial ou selvagem.
Como exemplo direi que esta “evolução” negativa, provocou um recuo
civilizacional nos costumes, tais como na defesa da vida ou seja, na não
eliminação de nascituros (na antiguidade) ou embriões de vida, (na actualidade)
e no reaparecimento da lei do mais forte, pela mão de um liberalismo sem
regras, que propícia essa lei nociva a uma paz desejável no seio da sociedade
humana.
Mas não só, assistiu-se também à progressiva destruição da família e à
instituição de pretensos sucedâneos que mais não fizeram que devolver a
sociedade ocidental a práticas dos tempos relatados nos episódios biblicos de
“Sodoma e Gomorra”, agora “vestidos” com a aparência de uma pretensa
modernidade, que só o é para os ignorantes e ileteratos.
Bom mas regressemos então ao plano puramente do Poder, das relações
entre os diversos actores internacionais e suas mudanças em perspectiva.
Vejamos apenas dois dos casos em
que mudanças houve e as prováveis consequências dessa nova atitude pró-activa,
por parte da que eu chamo “maioria silenciosa e abstencionista”.
O Brexit e a posição de Theresa
May
Na passada semana a
Primeira-Ministra do Reino Unido colocou a sua fasquia negocial de forma muito
clara, contrariando as previsões dos políticos defensores do “status quo” que
até chegaram a ameaçar este país com desgraças incontáveis, esperando com isso
que o Reino Unido voltasse atrás na decisão que, recorde-se, foi tomada pela
maioria da sua população.
Até o Partido Trabalhista Escocês,
no Poder da Escócia, ameaçou abandonar o Reino Unido.
Agora, e numa evidente mudança de
posição política dos socialistas escoceses, face ao Brexit, em entrevista
concedida à BBC, a actual líder do Partido Trabalhista da Escócia, Kezia
Dugdale, disse que “é mais importante manter a coesão no Reino Unido do que
ficar mais perto da União Europeia”. E acrescentou mesmo que para fazer face à
pobreza e às desigualdades existentes no Reino Unido será mais eficaz a
actuação dos serviços deste país, do que o recorrer aos apoios oriundos da
União Europeia.
Recorde-se que o “Labour” escocês
foi um dos campeões da campanha pela permanência do Reino Unido na U.E.
Na semana passada, Theresa May ao
anunciar que vai finalmente invocar o Art.º 50 do Tratado de Lisboa, anunciou
também a base negocial com que parte para as negociações de saída, que em breve
se iniciarão com a Comissão Europeia.
E a fasquia é muito alta.
Nada mais nada menos que a saída
do Reino Unido far-se-á sem qualquer pretensão deste país em ficar no Mercado
Único; não aceitará mais a jurisprudência ou as decisões do Tribunal da União
Europeia; e irá restaurar os controlos de entradas das pessoas no país, pois “O
Reino Unido não quer ficar com um pé dentro e outro fora”, segundo declarou em
conferência de Imprensa.
Theresa May deixou ainda um aviso
suplementar muito claro à UE:
- “não nos tratem como inimigos,
pois quem ficará a perder são vocês”.
Na verdade, e como já o escrevi
noutra ocasião, antes de se saber o resultado do referendo que conduziu ao
Brexit, o Reino Unido é demasiado importante para poder ser descartado pelo
resto da Europa, e é demasiado poderoso para que esta se tente “vingar” da sua atitude.
E as razões que então apontei, em
Maio de 2016, e que se mantêm verdadeiras, são as seguintes:
1.
- O Reino Unido continuará a ser um actor fundamental da
economia mundial;
2.
- Continuará a ser o líder da Commonwealth;
3.
- Continuará a ser a maior potência militar da Europa Ocidental;
4.
- Continuará a ser o principal aliado dos Estados Unidos, no
Atlântico Norte;
5.
- Londres, a “City”, continuará a ser uma das maiores praças
financeiras do Mundo;
6.
- A Libra sofrerá uma desvalorização temporária, (o que
aconteceu) o que contribuirá para uma maior competitividade da indústria
britânica no mercado mundial e para ganhos adicionais, embora temporários;
7.
- Politicamente o Reino Unido sofrerá no curto prazo, alguma
hostilidade dos principais países, (Alemanha e França) da União, (o que está a
acontecer) mas no médio e longo prazo tudo voltará à normalidade;
8.
- Também no curto prazo o Reino Unido poderá conhecer um
abrandamento do investimento, dada essa animosidade e pouca racionalidade. Esta
prevalecerá no médio e longo prazo;
9.
Neste ponto, e ao contrário do que eu então previa, tal não se
verificou. Antes pelo contrário o investimento tende a aumentar.
10.
- O Reino Unido continuará a ser uma das potências do armamento
nuclear do mundo;
11.
- Continuará a ser um dos cinco membros permanentes do Conselho
de Segurança da ONU, com direito a veto;
12.
- Em termos geopolíticos não perderá a sua vital importância;
13.
- Em termos da economia é demasiado importante para, muitos Estados
e milhões de empresas, ser posta de lado;
14.
- E finalmente o seu mercado interno é demasiado grande para ser
ignorado, quer pelas empresas europeias, quer pelas instituições.
Estas são as realidades com que é
preciso contar e será bom para Portugal que os seus Governos, sejam eles de que
Partido sejam, as tomem na devida atenção.
Em recentes declarações ao
‘Telegraph’, Mark Boleat, uma figura sénior da City londrina, afirmou que
“Londres continuará a ser o Centro Financeiro mais importante, a nível mundial,
apesar do Brexit e do nervosismo inicial que o resultado do referendo de 2016
provocou.” Igualmente Matt Brittin, o Presidente europeu do grupo Google, veio
reafirmar que “a empresa continuará a investir na Grã-Bretanha dada a dimensão
do seu mercado interno.”
E muitas mais notícias têm
confirmado este quadro, como é o facto de o comércio inglês ter registado
records de vendas, no final do ano passado, quer ainda com o facto de a Bolsa
de Londres registar records absolutos, na valorização dos seus índices.
Será um dossiê para seguir com
muita atenção, pois as duas posições negociais de início (RU e UE) estão
bastante extremadas, mas, como em qualquer negociação, elas tenderão a
aproximar-se, com o desenrolar das negociações, para encontrar um acordo
satisfatório entre as partes.
Uma coisa é certa, e já o era
antes das declarações da 1ª Ministra:
- o Reino Unido, com ou sem
acordo, abandona da União Europeia.
Portugal deverá ter
em atenção que este país é o seu mais antigo aliado, e que a importância das
relações comerciais entre os dois países deverá ser desenvolvida, e não
prejudicada por atitudes irrealistas ou de pura demagogia.
Uma coisa é certa, o referendo que
decidiu a saída do Reino Unido, de uma união que espartilha a capacidade de
decisão dos povos, foi o acto mais participado pelos cidadãos, das últimas
décadas no Reino Unido.
Trump e a nova política económica
Igualmente se registou um recorde
de votantes nos EUA. Na verdade, estas foram as eleições em que mais cidadãos
foram aos locais de voto, cerca de 130 milhões de americanos, desde que há
registos.
Na sua sequência, tomou posse o
45º Presidente da história dos Estados Unidos, país nosso aliado na NATO e com
quem sempre tivemos relações comerciais, mais ou menos, importantes.
Embora nem sempre nos tenham
tratado bem, sobretudo quando Governos do Partido Democrata estiveram em
funções, o que é um facto é que a nossa relação bilateral é antiga e deve ser
preservada.
É do nosso interesse manter e, se
possível, aprofundar as nossas relações com a potência dominante do Sistema
Internacional, por razões óbvias.
Isto, independentemente de quem
esteja no poder.
Uma questão parece ter sido
esquecida por muitos.
São os americanos que votam, são
os cidadãos desse país que decidem quem querem a governá-los, com o sistema que
adoptaram desde a fundação desse grande país.
Da mesma forma que não gostaríamos
de ver americanos a dizerem-nos quem nos deve governar, da mesma forma devemos
ser prudentes nas atitudes e declarações, sobre este resultado, pelo menos por
parte dos nossos dirigentes políticos, com especial incidência nos que estão no
Poder.
E assim sendo, e nesta linha de
pensamento estratégico, foi com prazer que observei e tive conhecimento, da
atitude inteligente e realista do Presidente da República, Prof. Doutor Marcelo
Rebelo de Sousa que, compreendendo bem o enunciado da questão, manteve uma
conversa telefónica com o novo Presidente dos EUA, antes mesmo de ele ter tomado
posse, felicitando-o e relembrando-lhe a aliança e as relações diplomáticas que
Portugal e os Estados Unidos mantêm, desde a sua fundação.
Mais a mais porque, apesar de
estar no início do seu mandato, os sinais económicos e financeiros que têm vindo
a público indiciam que o novo Presidente poderá vir a ter êxito na aplicação do
seu programa económico.
Veja-se, como exemplo dessa
possibilidade, o enunciado do mais recente relatório do insuspeito Deutsche
Bank sobre os efeitos potenciais da Política anunciada por Donald
Trump.
Segundo este recente relatório, a
política anunciada pelo novo Presidente dos EUA "tem o potencial de criar
uma nova era de crescimento da economia americana e pode mesmo vir a servir de
padrão para a economia mundial."
Segundo afirmou David
Folkerts-Landau, o Economista.-Chefe do Deutsche Bank
- “esta política tem o potencial
de aumentar significativamente o crescimento da produtividade americana”,
acrescentando que “ao mesmo tempo que Trump introduz a incerteza, isso é melhor
do que a certeza da continuação de um cenário medíocre”.
No relatório prevê-se ainda para
os EUA, um crescimento do PIB de 2,4% em 2017 e de 3,6% em 2018, contra o
crescimento médio do governo Obama que foi de apenas de 1,6% ao ano,
crescimento que o Deutsche Bank classifica como “the worst recovery since the
Great Depression.”
Significativo, sobretudo se
tivermos em conta a nacionalidade do banco em questão e alguma animosidade do
Poder político alemão, face ao novo inquilino da Casa Branca.
Trump ainda antes de tomar posse já tinha dado vários sinais que levam
os analistas a olhar de modo diferente para este novo ciclo que agora se
inicia. Como exemplo mais visível, e emblemático, está a atitude de Trump face
ao anúncio da Ford americana de construir uma nova fábrica no México, no valor
de 1,6 biliões de dólares. Face a esta possibilidade anunciada pelo executivo
da Ford, o Presidente Trump ameaçou cobrar impostos de importação para os
carros que aí fossem produzidos, o que levou este gigante da indústria
automóvel a cancelar o investimento no México e a anunciar que criaria essa
nova unidade nos EUA.
Igualmente e face a anúncio similar por parte da Toyota, Trump
escreveu o seguinte no Twitter: - "A Toyota Motor disse que construirá uma
nova fábrica no México, para fabricar carros Corolla para os EUA. Nem pensem!
Construam uma fábrica nos EUA ou paguem uma tarifa de importação".
Ora ambos, a Toyota e a Ford, dependem, e muito, deste mercado, pelo que
a nova política de Trump vem contrariar várias das suas práticas, seguidas
desde a desregulação do comércio internacional, verificada, sobretudo, a partir
dos anos da década de 1980.
E é um facto que em política
internacional, joga-se em realidades e não em desejos.
É bom que os nossos dirigentes
políticos tenham isto em mente, pois se este cenário de sucesso se verificar,
Portugal poderá beneficiar enormemente do mesmo, sobretudo os empresários e o
emprego.
E a pergunta que já se coloca
abertamente no seio dos Think-tanks internacionais, mais importantes é:
- Está em marcha uma Nova Ordem Mundial?
E a resposta mais ouvida é: - Tudo parece indicar que sim!
O futuro o dirá, sendo certo que as mudanças são normalmente lentas,
sobretudo na constatação dos seus efeitos.
Um quadro emerge já, no entanto, como mais que provável de se vir a
verificar:
- o reforço do Eixo Londres-Washington, que a aprofundar-se influenciará
de forma decisiva o quadro do sistema internacional, dada a potência dos seus
parceiros.
Como irá reagir a União Europeia, a China, o Japão, a Rússia, a este
novo quadro internacional nascente, é uma questão importante e que deverá ser
objecto de atenção redobrada.
Termino relebrando um velho, mas muito avisado, por realista, princípio
das Relações Internacionais:
- “As Nações não têm amigos, defendem interesses próprios”.
Seria bom que os nossos quadros políticos soubessem o que esta verdade insufismável
e verificada quer dizer, em toda a sua profundidade, e tirassem daí as ilações
devidas, para bem dos Portugueses e de Portugal.
Miguel Mattos Chaves
Director
do semanário "O Diabo"
Gestor
de Empresas
Doutorado
em Estudos Europeus
Auditor
de Defesa Nacional