13 novembro 2016

A situação da Justiça e dos seus casos

É necessário que televisões e jornais deixem de transformar a Justiça num espectáculo, o que não dignifica o aparelho judicial e as pessoas que nele trabalham de forma séria. É necessário que os Media, quando tratam matérias de Justiça, o façam com seriedade e baseando-se em dados veiculados por agentes devidamente mandatados para o efeito. É necessário que a Justiça forneça, em casos de acusação formal e oficial, os elementos de informação necessários ao esclarecimento do público, a exemplo do que acontece noutros países civilizados, de forma clara e inequívoca. É necessário que todos os agentes de Justiça estejam acima de qualquer suspeita, aos olhos dos cidadãos cumpridores. É necessário que o Conselho Superior da Magistratura desempenhe claramente o seu papel de Inspector da Qualidade dos serviços prestados pelos agentes de Justiça, para que Portugal possa ter uma Justiça respeitada, que assegure os direitos dos acusados que, até julgamento formal e prova inequívoca, têm direitos de defesa.

Como cidadão preocupado com o meu País e, por consequência, com a causa pública (Política, em geral, e os seus subcapítulos da Justiça, Defesa Nacional, Política Externa, Economia e Finanças, Educação, Saúde, etc…) sinto-me triste com tudo o que se está a passar.

A luta política pode estar a passar daqueles que foram eleitos pelos cidadãos para entidades que ninguém elegeu.
Assistiu-se nos últimos anos, após um período de aparente impunidade dos poderosos (financeira ou politicamente falando) a acusações de crimes graves, tendo agora como alvos várias figuras dirigentes dos sectores financeiro e do sector político.

E, por mim, muito bem. Aplaudo de pé essas iniciativas das autoridades judiciais e policiais que se destinam a punir os prevaricadores, sejam eles quem forem.

Se se pede aos cidadãos comuns que não pratiquem crimes, de forma a tornar a vida em sociedade possível, por maioria de razão tem que se exigir às figuras de topo que observem e cumpram as Leis do País.
Na verdade, cabe às figuras de topo, por inerência, perceber que têm que ser os primeiros a dar o exemplo de Honra, Seriedade, Ética, Moral, de cumprimento das Leis, aos seus concidadãos.

É esse o seu primeiro dever, a sua primeira responsabilidade, e não é desculpável o seu não cumprimento.

Em democracia, tudo tem que ser muito claro e transparente (salvaguardando as questões de Segurança Nacional ou Defesa Nacional sensíveis, pela sua delicadeza).
E infelizmente o que se exige aos Políticos (eleitos pelos cidadãos) não se está a exigir aos Jornalistas, aos Juízes e às Polícias.

Esta dualidade de critérios de exigência choca-me, em primeiro lugar, porque os agentes da Justiça (Juízes, Procuradores e Polícias) continuam com vários tiques que já não são próprios dos dias de hoje.

Refiro-me, naturalmente, à falta de clareza e de informação sobre o teor das acusações que fazem, e a justificação pública e transparente das razões por que o fazem.
Nomeadamente choca-me, e a muitos milhares de portugueses, que se acuse na “praça pública”, com a conivência de órgãos de comunicação social, sem que exista uma acusação judicial formal. 

E esta falta de clareza inquina toda a confiança que qualquer cidadão responsável deve ter nos agentes do poder, neste caso do Poder Judicial.

O que se tem vindo a verificar é que, quando “indiciam”, e bem, cidadãos com notoriedade pública de crimes graves, em vez de serem claros, e absolutamente transparentes, em vez de prestarem as informações mínimas a que os cidadãos têm direito, calam-se e resguardam-se em supostos e injustificáveis “segredos de Justiça”.
Ora a invocação desses pretensos “segredos de Justiça” é injustificável pois, de forma pouco clara, mesmo obscura e suspeita, as informações, distorcidas ou não, acabam por chegar aos cidadãos pela mão dos órgãos de comunicação social mais diversos.

Tais atitudes levantam, pelo menos, a suspeita de luta política, ou de interesses pessoais.

Ora este tipo de atitude, injustificável, censurável e nada ético, tem o condão de condenar publicamente, à partida, e sem julgamento judicial, todos os acusados sem lhes dar nenhum direito ao contraditório e à defesa.
Esta situação tão vulgarizada na sociedade portuguesa é, na minha opinião, um mau serviço e uma má prestação do aparelho de Justiça.

É um mau serviço ao prestígio que a Justiça deve possuir. Daí resulta que muitos milhares de cidadãos cumpridores tenham um desrespeito crescente, face aos agentes de Justiça.
Um dos inconvenientes destas atitudes da Justiça é que, ainda por cima, não é raro que alguns casos cheguem ao seu fim com a absolvição dos acusados.

Mas o mal dessas práticas acima referidas fica feito, ou seja, a destruição das pessoas sem que estas tenham direito à reparação pública, que lhes tire a mancha da acusação pública feita, de forma muito pouco clara.

E tudo isto é inadmissível num Estado de Direito.
Num Estado de Direito, tal como o entendo, se há suspeitas, “indícios”, primeiro investiga-se, depois recolhem-se provas, e só depois, se as mesmas forem sólidas, acusa-se judicialmente a pessoa.
Ora, infelizmente não é este tipo de actuação que temos visto e a que temos assistido.

Outro Poder não eleito, e de forma igualmente pouco clara, se não mesmo obscura, divulga informações pouco claras; formula acusações públicas (mesmo que depois se verifique não serem verdadeiras); e tudo isto com a mais absoluta leviandade, buscando apenas um acréscimo de vendas de espaços publicitários ou outras receitas ou, pior, obedecendo a interesses pouco claros.

Isto é, em relação a figuras públicas (mas não só), provocam no público a condenação de antemão, arvorando-se em Poder Judicial. Ora, sejamos muito claros: nem foram eleitos pela população para tal, nem são Poder Judicial justificado constitucionalmente.
Têm extravasado, portanto, a sua função, os seus direitos e seus deveres e atropelado os direitos de terceiros.

Vejamos alguns exemplos:
- O caso dos Submarinos – ninguém foi acusado formalmente e ninguém foi julgado formalmente. Apenas foram lançadas suspeitas, acusações, quer por magistrados, quer por jornalistas, na praça pública, sobre várias pessoas; em Tribunal, os processos (os que lá chegaram) foram arquivados. Quem paga o mal feito? Já dura há mais de 10 anos este tipo de “acusações” públicas. Em resultado disso, várias pessoas já estão acusadas e “culpadas” na opinião pública, sem que o tenham sido em sede própria, isto é, em julgamentos formais.
- O caso BPN – acusações por todo o lado. Mas pergunta-se: onde está o processo, a acusação, o julgamento e a condenação ou absolvição?
- O caso BES, o caso Vistos Gold, o caso “Monte Branco”, etc.

Posto isto, é legítimo perguntar: - passou-se a “julgar” na rua? Para que servem então os Tribunais e o Poder Judicial?

Nos Estados Unidos da América, dados os acontecimentos e escândalos do Sistema Financeiro descobertos e espoletados em 2008, depois de aturadas e rápidas investigações, em apenas seis meses foram presos, acusados, julgados e condenados vários financeiros e políticos, e absolvidos outros. Numa palavra: fez-se Justiça! Que diferença!

Então, pergunto:
Ø  O que passa no meu País?
Ø  Porque não andam as coisas de forma séria e célere?
Ø  Porque vejo na Imprensa Internacional o meu País a ser enlameado, com a cumplicidade de portugueses?
Ø  Porque não sabem os cidadãos o que é importante saber, pelos agentes que o deveriam divulgar e não por outras vias?
Ø  Para quando a adopção das boas práticas de um verdadeiro Estado de Direito, isto é, se há suspeitas, “indícios”, primeiro investiga-se, depois recolhem-se provas, e só depois, se as mesmas forem sólidas, acusa-se judicialmente a pessoa?

Julgo, como cidadão, ter o direito de exigir que a Justiça seja clara e inequívoca; que a Justiça condene os que prevaricam, sejam eles quem forem, de forma clara; que a Justiça absolva os que são injustamente acusados.

Mas que tudo isto seja feito de forma rápida, eficaz, e muito transparente, isto é, sem margem para quaisquer dúvidas.
Mas que não se lancem primeiro acusações na “praça pública” e só depois se investigue se as mesmas têm substrato ou não.

Assim, peço a quem de direito:
► Que se acabe com o espectáculo lamentável de televisões e jornais trazerem matéria de Justiça para a opinião pública, que não a oficialmente veiculada por agentes de Justiça devidamente mandatados hierarquicamente para o efeito;
► Que a Justiça forneça, em casos de acusação formal e oficial de personalidades com notoriedade pública, ou não, os elementos de informação necessários ao esclarecimento do público, a exemplo do que acontece noutros países civilizados, de forma clara e inequívoca;
► Que o Conselho Superior da Magistratura desempenhe claramente o seu papel cabal de Inspector da Qualidade dos serviços prestados pelos agentes de Justiça, para que Portugal possa ter uma Justiça respeitada, que assegure os direitos dos acusados que, até julgamento formal e prova inequívoca, têm direitos de defesa;
► Que se evite que a Justiça se transforme num espectáculo.
Tal tem acontecido, e é visível nos últimos anos, nas TVs e jornais, o que não dignifica o aparelho judicial e as pessoas que nele trabalham de forma séria, e que prejudica os Portugueses cumpridores;
► Que se tomem as disposições necessárias de forma a tornar os agentes de Justiça, todos mas mesmo todos, acima de qualquer suspeita, aos olhos dos cidadãos cumpridores. Começando, nomeadamente, pelo funcionamento das Inspecções a todos os órgãos da Justiça por entidades nomeadas para o efeito. Ninguém pode estar acima da Lei, muito menos os que têm como função garantir o seu cumprimento.

Se assim não for, estaremos a propiciar um aprofundamento do declínio civilizacional a que vimos assistindo, de há algumas décadas a esta parte, o que não nos conduzirá a nada de bom.
Se assim não for, continuarão o Poder Judicial e o Poder Político a não cumprir uma das suas missões de base: promover a Justiça e a Segurança de toda a comunidade que governam. ■

(Artigo publicado no semanário “O Diabo” de dia 01 de Novembro de 2016)
Melhores cumprimentos
Miguel Mattos Chaves
Director do semanário "O Diabo"

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