No
passado dia 29 de Março, o Reino Unido notificou formalmente o presidente do
Conselho Europeu, Donald Tusk, da sua decisão de abandonar a União Europeia.
Fê-lo através de uma carta protocolar em que invocava um famoso artigo legal
que poucos portugueses se terão dado ao cuidado de ler: o Artigo 50º do Tratado
de Lisboa. Analisei no semanário que dirigia e partilho hoje o que está
exactamente estipulado na legislação comunitária para casos como o Brexit e
adianto os próximos passos do processo de separação.
Muito
se tem falado e pouco se tem explicado, aos Portugueses, acerca do Art.º 50º do
Tratado de Lisboa e seus mecanismos. Assim, e prosseguindo no debate sobre a
União Europeia e seu futuro, que há muito tenho tentado alargar a toda a
sociedade portuguesa, escrevo agora sobre o processo denominado de Brexit
(saída do Reino Unido da União Europeia) para que os leitores fiquem
rigorosamente informados sobre o que diz o tão famoso Art.º 50º, invocado no
caso de qualquer Estado-membro pretender sair da organização. Pela minha parte
cumpro, assim, e mais uma vez, o meu dever de informar os portugueses.
Vejamos
então o que está estipulado, alínea por alínea, no referido artigo, acompanhado
de um comentário.
Art.º 50º - Alínea 1
Qualquer
Estado-membro pode decidir, em conformidade com as respectivas normas
constitucionais, retirar-se da União.
Comentário:
Com
base no texto deste artigo qualquer Estado-membro pode retirar-se da União
Europeia, cumprindo apenas os seus procedimentos legais internos. Esses procedimentos podem estar descritos em Leis Ordinárias ou na Lei Constitucional de cada país.
Assim, cada país deverá seguir os procedimentos neles inscritos para a Ratificação de Tratados Internacionais ou Rescisão dos mesmos.
Naturalmente, repito, este processo varia de país para país.
Art.º 50º - Alínea 2
Qualquer
Estado-Membro que decida retirar-se da União notifica a sua intenção ao
Conselho Europeu. Em função das orientações do Conselho Europeu, a União
negocia e celebra com esse Estado um acordo que estabeleça as condições da sua
saída, tendo em conta o quadro das suas futuras relações com a União. Esse
acordo é negociado nos termos do n.º 3 do artigo 218.º do Tratado sobre o
Funcionamento da União Europeia. O acordo é celebrado em nome da União pelo
Conselho, deliberando por maioria qualificada, após aprovação do Parlamento
Europeu.
Comentário:
Com
base nesta alínea, o Governo de um país que decida abandonar a União tem que
notificar/escrever oficialmente ao Conselho Europeu a dar-lhe conhecimento da
sua decisão. De seguida é iniciado um processo de negociações entre a União e o país que decidiu sair, com o objectivo de definir o futuro relacionamento entre as duas partes.
Nota adicional
O
citado Artigo 218.º nº 3, inscrito no 2º parágrafo desta alínea, estipula o
seguinte:A Comissão (ou o Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, nos casos em que o acordo projectado incida exclusiva ou principalmente sobre a política externa e de segurança comum) apresenta recomendações ao Conselho, que adopta uma decisão que autoriza a abertura das negociações e que designa, em função da matéria do acordo projectado, o negociador ou o chefe da equipa de negociação da União.
Comentário:
Isto
quer dizer que o acordo de saída, seja ele negociado directamente pela Comissão
Europeia, seja ele negociado pelo Representante para os Negócios Estrangeiros,
pela parte da União Europeia, tem de submeter o acordo projectado, isto é, a
posição da União a adoptar, ao Conselho Europeu (órgão em que se reúnem os
Chefes de Estado e de Governo dos países membros da UE) e é este que autoriza a
abertura das negociações e designa quem será o negociador a representar a
União. No final do processo de negociações, entre a União e o país que pretende sair, o acordo terá as seguintes fases:
- Aprovação pelo Parlamento Europeu do acordo de saída;
- Após essa aprovação, o acordo é submetido ao Conselho Europeu, o qual aprovará este em votação por maioria qualificada;
- Finalmente, após aprovado o acordo no Parlamento Europeu e no Conselho, o acordo será assinado, por parte da UE, pelo Conselho.
Art.º 50º - Alínea 3
Os
Tratados deixam de ser aplicáveis ao Estado em causa a partir da data de
entrada em vigor do acordo de saída ou, na falta deste, dois anos após a
notificação referida no n.º 2, a menos que o Conselho Europeu, com o acordo do
Estado-membro em causa, decida, por unanimidade, prorrogar esse prazo.
Comentário:
As
negociações podem demorar até 2 anos (podem demorar menos) após a notificação
da Comissão pelo Estado que decidiu sair. No final das negociações, e em caso de haver um acordo entre as partes, os Tratados da União (Paris, Roma, Acto Único, Maastricht, Amesterdão, Nice, Lisboa) deixam de se aplicar no país que decidiu sair.
Em
caso de não haver acordo, dois anos após o Estado/país ter notificado/escrito
ao Conselho Europeu a dar-lhe conhecimento da sua decisão, o prazo das
negociações pode ser ampliado se o Estado-membro o pretender ou concordar e se
o Conselho Europeu pretender ou concordar em tal prolongamento, em votação dos
seus membros, neste caso por unanimidade.
Se
não houver acordo, nem sobre o prolongamento das negociações, nem sobre a forma
de saída, o Estado que pretende sair poderá fazê-lo, neste caso, de forma
unilateral.
Art.º 50º - Alínea 4
Para
efeitos dos n.ºs 2 e 3, o membro do Conselho Europeu e do Conselho que
representa o Estado-membro que pretende retirar-se da União não participa nas
deliberações nem nas decisões do Conselho Europeu e do Conselho que lhe digam
respeito. A maioria qualificada é definida nos termos da alínea b) do n.º 3 do
artigo 238.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
Comentário:
Nesta
alínea está prescrito que o Estado-membro que pretenda retirar-se da União não
participa, naturalmente, nas decisões sobre: (a) quem será o negociador, por
parte da União; (b) e o desenho da posição negocial da União.
Por
outras palavras, quais serão as exigências e posições que esta fará na mesa das
negociações, e até onde estará disposta a ceder para chegar a um compromisso/acordo.
O que
é natural.
Nota
Nesta
alínea, no primeiro parágrafo, refere-se o Art.º 238º nº3 alínea b). Este diz o
seguinte, na parte que interessa à definição da maioria qualificada: “a maioria
qualificada corresponde a, pelo menos, 72% dos membros do Conselho, devendo
estes representar Estados-Membros participantes que reúnam, no mínimo, 65 % da
população desses Estados.
Comentário:
Quer
isto dizer que têm que votar a favor do acordo, pelo menos, os representantes
dos Governos de 19 Estados (no seio do Conselho Europeu) que signifiquem 65% do
conjunto dos habitantes dos países da UE. Quer isto dizer que, no mínimo, se
exige que 19 países que representem/que somem no seu conjunto 286 milhões de
habitantes, formem a tal maioria qualificada para a votação final no Conselho
Europeu.
Para
que o leitor possa construir as suas hipóteses, abaixo se publica o quadro
actual do número de habitantes por país da União, excluindo o Reino Unido, que
não poderá participar, nem votar, como é óbvio, nem contará para a formação da
tal maioria qualificada.
Art.º 50º - Alínea 5
Se
um Estado que se tenha retirado da União voltar a pedir a adesão, é aplicável a
esse pedido o processo referido no artigo 49.º.
Comentário:
Um
país pedir para sair e depois pedir para entrar é uma hipótese que denota algum
irrealismo do legislador europeu sobre a matéria, pelo que considero que este
artigo é apenas político, no sentido em que o legislador quis evitar a
inevitabilidade de quem sai não poder voltar a entrar se o quiser.
Conclusão
O
que está dito no famoso Art.º 50º do Tratado de Lisboa é, em síntese, e o mais
importante, o seguinte:
- As
negociações podem durar até dois anos.
Obviamente,
podem durar menos tempo. Só depende da decisão das partes que o negoceiam.
Mas
se houver necessidade de prolongar para além dos dois anos as negociações,
pode-se prolongar este prazo. Para tal é preciso que ambos, o Reino Unido e a
União, se ponham de acordo neste prolongamento.
- Se
não houver acordo entre ambos, quanto a prolongar este período de negociações,
o Tratado deixa de se aplicar automaticamente ao Reino Unido, seja por decisão
unilateral da União ou seja por decisão unilateral do próprio Reino Unido.
Ou
seja, na pior das hipóteses, se não houver acordo ao fim de dois anos, o Reino
Unido sai por decisão unilateral de qualquer das partes.
Comentário final
Não
creio que, quer a União Europeia quer o Reino Unido, cheguem a esta situação,
por não convir a ambos. Uma situação destas não convém, sobretudo à União Europeia, pelo precedente que se criaria.
Assim,
e contando o tal prazo de dois anos, temos o seguinte:
-
Notificação do Conselho Europeu pelo Reino Unido da decisão de sair: 29 de
Março de 2017.- Fim do período negocial, previsto no Tratado, sem prolongamento: 29 de Março de 2019.
Ficam
agora os leitores informados do processo que se vai seguir e de quais as
soluções técnico-jurídicas previstas no Art.º 50º.
Ficam,
portanto, informados (e não deformados) sobre quais os procedimentos e
possíveis resultados do processo de saída do Reino Unido da União Europeia, no
que respeita à relação jurídica entre as duas partes.
Não
ficam informados, neste artigo, sobre o conteúdo das negociações e sobre se
haverá ou não um acordo entre as partes que as satisfaça a ambas.
Prosseguirei
com o acompanhamento do processo, de forma a manter os Portugueses informados
sobre a realidade do que se for passando. ■
Espero
ter sido útil.
Melhores
cumprimentos
Miguel Mattos Chaves
Vice-Presidente da Comissão Europeia
da Sociedade de GeografiaDoutorado em Estudos Europeus (UCP)
Auditor de Defesa Nacional (IDN)
Gestor de Empresas
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