FACE À EUROPA (Iª Parte)
Face a algumas declarações,
oriundas de vários sectores, que classificaram o Brexit como uma “surpresa”, ou
como uma atitude surpreendente tomada por pessoas pouco ilustradas ou mesmo
analfabetas (os Ingleses que disseram que queriam sair da U.E.), considerei ser
urgente desmistificar este assunto. Faço-o em duas partes, de que hoje se
publica a primeira.
Faço-o por sentir que essas
classificações não eram justas, e são pelo contrário “desculpas de mau
pagador”, Isto da parte dos dirigentes da União Europa e de alguns dos seus
membros.
Os Ingleses no fundo
recuperaram as atitudes de um povo, de um país, que detém a mais antiga
democracia (dos tempos modernos) do mundo. São agora atacados por que não
quererem pertencer a uma organização que continua a querer (nas costas das
vontades das populações) aprofundar, integrar, federalizar, ou seja retirar
poderes aos Estados Soberanos.
Como o demonstrarei, esta atitude
de certos dirigentes europeus, defensores do federalismo encapotado, (a que
chamam eufemisticamente aprofundamento ou integração) não é séria e é mesmo
prejudicial à manutenção da Paz e do Progresso na Europa.
Talvez por falta de leitura
da História, alguns no nosso país, tenham também e apressadamente seguido esses
juízos.
Vamos então aos factos.
Uma pequena introdução
Os factores políticos, quer se queira ou não, são os
mais importantes na medida em que condicionam todos os outros. É no plano
político que são tomadas as decisões que podem influir, (e muitas vezes
fazem-no de uma forma definitiva), em matérias como as finanças, a economia, a
política social, a política cultural, a política externa, a política de defesa,
etc.
Tome-se como exemplo a decisão tomada pelos
representantes dos Estados membros sobre a criação da Moeda Única.
Foi uma decisão puramente política, já que ao nível
técnico uma União Económica e Monetária faz-se pela fixação irrevogável de
câmbios, no campo monetário, entre as diversas moedas envolvidas, não sendo
necessária e existência de Moeda Comum para essa União existir e funcionar.
Os Ingleses e
o Congresso da Haia de 1948
Em
Dezembro de 1947 surge, por sua iniciativa, um «Comité Internacional dos
Movimentos para a Unidade Europeia» em que Duncan Sandys (genro de Wiston
Churchill) era o Presidente, e Retinger o Secretário-geral. No seio dessa
organização acordaram, então, que o referido Congresso teria lugar na Haia.
Assim
aconteceu. Reuniram-se em Haia, capital da Holanda, entre 7 e 11 de Maio de
1948, cerca de 800 personalidades de grande relevo, de diversos países, sob a
presidência de Winston Churchill.
Estiveram
presentes, pela Inglaterra, entre outros Anthony Eden, Lorde Layton, Harold
MacMillan, e Winston Churchill.
De
vários países do continente estiveram, entre outros, Paul Van Zeeland, François
Miterrand, Konrad Adenauer, Coudenhove Kalergi, Aristid Briand, Jean Monnet,
Paul Henri Spaak, Alcide De Gasperi, Joseph Retinger, Schuman, Alexandre Marc,
René Pleven.
Neste
Congresso defrontaram-se várias ideias, e projectos, de construção europeia que
tinham expressão, ou não, em correntes ou movimentos de opinião.
Os
membros do movimento Europa Unida (E.U.), 1947, na altura chefiado por Duncan
Sandys (genro de Winston Churchill) anunciaram que queriam juntar os movimentos
pró-europeus que defendessem uma linha de Cooperação Intergovernamental, em que
não haveria delegações de soberania por parte dos Estados.
Anunciaram
que defendiam a ideia de que a Europa deveria ser construída numa linha de
aprofundamento das relações entre Estados, e respectivos Governos, admitindo
que alguns domínios do poder dos Estados, pudessem ficar sob orientação central,
mas rejeitando toda e qualquer delegação que implicasse a perda de soberania
dos mesmos.
Era
o princípio de um Estado, um Voto. A Europa das Nações.
Isto
é, uma construção baseada na junção de vontades de Estados Soberanos e Iguais,
em que não haveria lugar a transferências de factores de Soberania, que queriam
criar uma organização, na qual as tomadas de decisão se baseassem no princípio
de que a cada Estado caberia um voto.
Uma
união baseada, portanto, na Cooperação Política permanente entre Estados
Soberanos. A Europa das Nações de que falou mais tarde De Gaulle.
Em
resultado da luta política entre as várias correntes, que tiveram um ponto alto
neste Congresso, poder-se-ia dizer que os elementos do movimento da Europa
Unida conseguiram travar os ímpetos dos Federalistas, sinal que a Europa, ali
representada por cerca de 800 das mais proeminentes figuras europeias, não
queria ir por esse caminho.
A consequência
imediata do Congresso: A criação do Conselho da Europa
É
uma resultante da vontade do Congresso da Haia, de se criar uma Assembleia
Europeia. É a primeira tentativa, no pós-guerra, de se criar uma organização
intergovernamental, esta de carácter político.
O
Conselho da Europa foi fundado, pela Convenção de Londres de 5 de Maio de 1949,
inicialmente por 10 países a saber: Bélgica, França, Grã-Bretanha, Holanda e
Luxemburgo, (países da UEO - União da Europa Ocidental) a que se juntaram a
Dinamarca, Irlanda, Itália, Noruega e Suécia.
Um
dos resultados das suas actividades foi a elaboração da Carta Europeia dos
Direitos do Homem, datada de 1950, em que os representantes ingleses
colaboraram activamente.
A Visão de Churchill – a posição face á organização
europeia futura
Winston
Churchill, foi 1º Ministro da
Grã-Bretanha durante o período aceso da 2ª guerra mundial. Tornou-se notado, no
processo de construção europeia do pós-guerra, entre outras coisas, por uma
proposta que fez em Zurique em 19 de Setembro de 1946, em que propôs, como
reacção à ameaça soviética, a criação dos Estados Unidos da Europa.
Para
Churchill estes Estados Unidos da Europa deveriam ser alicerçados numa Aliança
Franco-Alemã porque, segundo ele era necessário assegurar uma paz duradoura
entre estes países, como base da estabilização necessária ao continente.
Porque
sendo estes os países de maior potencial da Europa Ocidental Continental,
caber-lhes-ia a liderança natural da região, na defesa do “mundo livre”.
Mas
a proposta de Churchill deixava a Inglaterra de fora desse projecto dadas as
suas relações com os EUA e pelo facto de ser a cabeça da Commonwealth, que é
constituída, como se sabe, por países espalhados pelo mundo, nos cinco
continentes e pelo facto de o Reino Unido ser completamente contrário a
qualquer organização que implicasse qualquer alienação de partes da sua
Soberania.
O Reino Unido
e a questão Alemã e a ameaça da URSS
No
final da guerra a desconfiança existia no interior do bloco ocidental, face à
Alemanha, que acabava de ser derrotada e, em parte, reunificada. Esse clima de
desconfiança gerou a assinatura, em 4 de Março de 1947, do Tratado de
Dunquerque, entre a França e a Grã-Bretanha, com vista a garantir assistência
mútua em caso de nova agressão. Visava este acordo, para os signatários, a sua
defesa face a uma eventual ameaça, futura, da Alemanha.
A
Alemanha tornou-se o pomo da discórdia. Ambos os blocos procuraram fortalecer
as suas posições no seu território e nenhum deles pretendia ver uma Alemanha
unida, com um sistema político eventualmente diferente do seu. Apesar disso, a
política do Reino Unido e dos Estados Unidos era a de reconstruir
económicamente a Alemanha, unificando para tal as respectivas zonas.
A
França via a Alemanha como um inimigo de longa data que era preciso controlar
e, se possível, manter fraco. Opunha-se, portanto, aos projectos ingleses e
americanos de a reconstruir. Acabaria, apesar disso, por ceder às posições dos
seus aliados, sobretudo pela pressão exercida pelos Estados Unidos e aceitou
que a sua zona se juntasse às outras duas.
Ingleses
e americanos queriam evitar a reedição dos ressentimentos que a 1ª grande
guerra deixara na mente dos alemães, obrigados a pagar pesadíssimas reparações
de guerra, e que tinha possibilitado a eleição do Partido Nacional-Socialista
para o governo.
O
objectivo principal era o de tentar reequilibrar a balança do poder na zona
europeia continental pois, para eles, a ameaça vinha do leste, da URSS, e não
da Alemanha.
E
para fazer face a esta ameaça identificada, em 1948, foi celebrado o Tratado de
Bruxelas, entre a França, o Reino Unido e o Benelux, estabelecido exactamente
para fazer face à potencial ameaça da União Soviética.
A Inglaterra e o Tratado do Atlântico Norte – A OTAN/NATO
A
Europa saiu da 2ª guerra mundial incapaz de se defender pelos seus próprios
meios.
A
percepção deste facto, tinha feito com que, já em Agosto de 1941, Churchill e Roosevelt
tivessem assinado a «Carta do Atlântico» na qual se previa a organização do
mundo democrático, ou ocidental, após a previsível vitória dos aliados sobre a
Alemanha.
A
Inglaterra e os EUA e foram os grandes impulsionadores da formação da nova
organização internacional, esta de carácter militar.
Foram
seus membros fundadores a Bélgica, o Canadá, a Dinamarca, os Estados Unidos, a
França, o Reino Unido, a Holanda, a Islândia, a Itália, o Luxemburgo, a Noruega
e Portugal que aceitou o convite formal dos EUA e do Reino Unido para entrar na
NATO, como membro fundador.
A inclusão da Europa Ocidental no sistema do
Atlântico provocou, na altura, a discussão sobre o que é que a Europa deveria
fazer para se ver livre da guerra. Uns propunham a neutralização da Europa,
independente dos EUA e da URSS. Estavam neste caso a Itália e a França, onde
havia Partidos Comunistas fortes e alguma simpatia pelas ideias comunistas. A
Inglaterra e outros defendiam o alinhamento Atlântico com os EUA. Venceu esta
tese, como se sabe.
A Inglaterra e
a OECE - Organização Europeia de Cooperação Económica
Reuniu-se
em Paris, de Julho a Setembro de 1947, uma Conferência Intergovernamental,
denominada de Conferência Económica Europeia na qual estiveram presentes todos
os países que acederam ao plano Marshall de auxílio americano. Desta
conferência saiu a decisão de se criar um organismo que canalizasse,
controlasse e governasse, as ajudas do plano e que fosse um dinamizador de uma
maior liberalização do comércio internacional.
Esta
organização destinada a coordenar a ajuda americana, nasceu e tomou a designação
de OECE – Organização Europeia de Cooperação Económica.
Foi
constituída em 16 de Abril de 1948, e “no seio da qual se aprofundaram os
debates, se concertaram as primeiras medidas e se consagrou formalmente o
programa económico comum no quadro do qual estava definida a ajuda americana
entretanto aprovada pelo Congresso dos EUA”.
Foi
a primeira organização europeia do pós-guerra, de âmbito económico. Foi uma
organização de cooperação intergovernamental.
Fizeram
parte da OECE desde o início, como seus membros fundadores, a Áustria, a
Bélgica, a Dinamarca, a França, o Reino Unido, a Grécia, a Irlanda, a Islândia,
a Itália, o Luxemburgo, a Noruega, os Países Baixos, Portugal, a Suécia, a
Suíça e a Turquia, aos quais se juntou a RFA, quando foi constituída.
Esta
organização foi substituída em 1960 pela O.C.D.E. – Organização de Cooperação e
Desenvolvimento Económico, à qual aderiram os Estados Unidos e o Canadá
deixando, deste modo, de ser uma organização de âmbito regional, para passar a
ser uma organização de âmbito mundial.
Em
Março de 1958 o Comité da OECE abordou um problema delicado para Ingleses e Portugueses:
o problema da inclusão das províncias ultramarinas portuguesas, na futura Zona
de Livre-câmbio.
A
Inglaterra propôs que a criação da Zona de Livre-câmbio, englobasse os países
que futuramente fariam parte do Mercado Comum e os restantes países
industrializados da OECE.
No
seguimento desta proposta foi criado um grupo de trabalho, (Grupo de Trabalho
Nº 17), destinado a proceder aos estudos necessários à verificação da
viabilidade da mesma. Estudos que tiveram o seu final, com a conclusão dos
trabalhos do referido grupo, em Dezembro do mesmo ano, em que se concluía pela
viabilidade da proposta Inglesa.
A proposta
Francesa de criação da CEE e de recusa da Zona de Livre-câmbio europeia
Entretanto,
Spaak elaborava um relatório, a que seria dada a forma de “Memorando dos Países
do Benelux, aos Seis Países da CECA”, em que propunha, a estes, a criação de
uma Comunidade Económica.
Em
1 e 2 de Junho de 1955 os seis Ministros dos Negócios Estrangeiros da CECA,
debruçaram-se sobre o “memorando do Benelux”, na chamada Conferência de
Messina.
Decidiram
convidar o Reino Unido a participar dos trabalhos.
Novo
confronto se verificou no que respeita à luta entre a visão federal e a visão intergovernamental,
a qual dominou parte importante dos trabalhos.
De
um lado o Comité de Acção de Jean Monnet. Neste agrupamento procurava-se saber
“...como levar os governantes a transferirem cada vez mais competências para
instituições comuns...”. A sua atitude perante os novos cenários que se
avizinhavam estavam expressos no pensamento de que “uma simples cooperação
entre Estados não era suficiente” e que seria, na sua opinião, indispensável
que os Estados delegassem alguns dos seus poderes em instituições federais
europeias..”
Do
outro lado estavam os adeptos da cooperação intergovernamental que queriam
criar uma nova entidade internacional, sem transferências de soberania.
O
resultado dos trabalhos e das respectivas consultas, feitas pela Comissão
Spaak, foi apresentado em Maio de 1956 em Veneza, como base de partida para as
negociações. Foi aprovado um relatório, na sequência do qual foram abertas em
Bruxelas, em Junho do mesmo ano, as negociações finais. Negociações nas quais
foram discutidas questões importantes tais como as da fixação de uma tarifa
exterior comum e a harmonização de políticas económicas.
Foram
ainda tratadas questões como a da possível associação dos Territórios do
Ultramar à nova organização, posição essa defendida pela França.
Estas
negociações tiveram um resultado importante traduzido na aprovação e assinatura
do denominado Tratado de Roma, o que aconteceu em Março de 1957.
(Continua e
termina na semana que vem)
Miguel Mattos Chaves
PhD
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