19 maio 2017

2ª Parte - A Notável Coerência do Reino Unido face à Europa

A COERÊNCIA DO REINO UNIDO FACE À EUROPA (IIª Parte)

*Miguel Mattos Chaves

Termino hoje a análise, iniciada na semana passada, sobre as atitudes do Reino Unido, face á Europa, onde fica demonstrada a coerência deste país no que se refere às políticas, desde sempre, seguidas, quer por Governos Conservadores, quer por Governos Trabalhistas, em matéria de Política Externa.

A posição da Inglaterra face ao Tratado de Roma

O referido tratado entrou em vigor em 14 de Janeiro de 1958.

Pelo mesmo foi criada a Comunidade Económica Europeia (CEE) e a CEEA – Comunidade Europeia de Energia Atómica, mais conhecida por Euratom.

E estavam, assim, concluídos os denominados Tratados das três Comunidades Originais, que são uma fonte relevante e muito importante do Direito Comunitário.

- Não foram previstas transferências de soberania por parte de nenhum dos Estados.

- Foi um Tratado em que houve a nítida preocupação de se encontrar um equilíbrio entre a vontade dos Estados e a vontade da Comunidade.

- O resultado foi que este tratado foi muito mais intergovernamental.

- Notou-se um nítido recuo da tónica federalista

O Tratado CEE tinha como características e propósitos mais importantes a criação de uma União Aduaneira, cujo objectivo seria a de dar o primeiro passo para o estabelecimento de um Mercado Comum, o qual se previa que viesse a ser constituído num prazo de 12 anos (1970)

É um Tratado - Quadro, dado que apenas enuncia os princípios e os objectivos que se pretendem atingir, com o mesmo. Salvo no que se refere à União Aduaneira, é um Tratado que enuncia princípios gerais, o que também o diferencia do Tratado CECA. Este, era um Tratado – Regra dado que descrevia em pormenor todas as matérias sobre as quais pretendia regular, os princípios e os objectivos que prosseguia.

- Em matéria de princípios o Tratado CEE estabelecia que a Comunidade se regeria pelos da diversidade e solidariedade. A solidariedade teve expressão num conjunto de Políticas Comuns, entre as quais se destacaria, pela sua importância, a Política Agrícola Comum (PAC).

A realidade que o Tratado criou, traduziu-se num sucesso.

Neste caso, e ainda se verificando um quadro geral de incertezas, Portugal preferiu aguardar calmamente o desenrolar das situações, aderindo ao que não contrariava a sua política e os seus interesses da altura, e analisando a todo o tempo as posições do seu aliado preferencial.

De facto, havia algo de comum nas preocupações de Inglaterra e Portugal:

(1) Eram parceiros comerciais importantes, sendo essa importância mais marcante para Portugal do que para o seu velho aliado;

(2) Ambos tinham territórios ultramarinos importantes e

(3) Ambos tinham alguma desconfiança face à estratégia da França.

Por outro lado um dos receios da Inglaterra, de Portugal e de outros países, de ver nascer uma Federação de Estados tinha-se diluído face à prática das actividades da CEE.

É que no início do processo dos seis países da CEE, tinha-se formado a primeira comunidade – a CECA –, que era verdadeiramente uma organização do tipo federal, e havia o receio de que os desenvolvimentos posteriores lhe seguissem as pisadas, o que não agradava a Ingleses, e a outros governos, o de Portugal incluído.

As fracturas no bloco ocidental europeu – década de 1950
A resposta britânica face à França

Como já vimos, o Reino Unido desde o final guerra mostrou-se interessado numa união europeia, mas com um modelo diferente do preconizado por outros países do bloco ocidental, então apenas agrupados na OECE.

Começou por advogar, pela voz do seu Primeiro-Ministro Winston Churchill, em Zurique, a construção dos Estados Unidos da Europa, mas na qual a Inglaterra não entraria. Modelo federal.

O seu europeísmo era, sobretudo, uma reacção contra a União Soviética; era, na sua opinião, o caminho que a Europa deveria seguir para fazer face à ameaça Soviética.

Porém, nessa arquitectura só participariam os países do Continente. O Reino Unido ficaria de fora. Para Churchill, como para muitos Ingleses, a Europa era, e é, o continente. As ilhas Britânicas são uma coisa diferente.

As suas relações comerciais e políticas desenvolviam-se, principalmente, num espaço criado por eles – o Commonwealth - em que pontificavam, e o qual não queriam partilhar com outros.

Londres, por causa do seu Império, não queria uma União Aduaneira, e portanto a ela não aderiu.

Por outro lado a sua aliança preferencial continuava a ser com a sua antiga Colónia, os Estados Unidos da América. Potência, ainda por cima, em crescente afirmação internacional.

Com a sua individualidade muito marcada, os britânicos não queriam delegar poderes de decisão nacionais em organismos comuns.

Face à constituição do bloco dos seis, procuraram encontrar uma alternativa.

O Bloco Inglês (EFTA) como resposta ao Bloco Francês (CEE)

Dois blocos se formaram.
Os seis, que como já vimos, seguiram a via da União Aduaneira.
Outros sete países iriam criar a EFTA - Zona de Livre Comércio.

A criação da AECL. / EFTA

Entretanto as negociações entre os grupos, dos seis (CEE) e dos sete (EFTA), fracassavam por recusa da França em criar uma Zona de Comércio Livre, entre todos estes países.

Perante o fracasso da tentativa de agregar todos os países europeus num modelo de Zona de Comércio Livre e perante a organização dos Seis numa União Aduaneira, a Inglaterra começou a desenvolver os esforços para a constituição de uma Associação de Comércio com os restantes países da OECE.

Esta nasce indiscutivelmente da iniciativa inglesa.

É a consumação da divisão da Europa ocidental, em dois blocos económicos.

De fora, de qualquer dos blocos dos países do chamado “mundo livre”, resultantes da formação da CEE e da EFTA, ficavam apenas a Irlanda, a Grécia e a Turquia.

A Grécia e a Turquia tentaram associar-se à CEE.

Ficaram ainda de fora a Islândia, que em 1970 iria pedir a sua adesão à EFTA, e a Finlândia.

Em Dezembro de 1957 foi convocada pela Inglaterra, em grande segredo, uma reunião que se deveria realizar em Genebra entre estes, a Áustria, Dinamarca, Noruega, Suécia e Suíça.

Reunião esta em que Portugal também participou.

Nascia uma nova organização económica, a AECL. / EFTA estruturada em moldes organizativos diferentes dos propostos pela França e pelos outros membros do Clube dos Seis.

Era a contraposição entre a criação de uma Zona de Comércio Livre, proposta pelos ingleses e a criação de uma União Aduaneira, adoptada pelos Seis.

Esta contraposição foi, também, determinada pela necessidade de estes países não ficarem isolados comercialmente, situação a que a criação do Mercado Comum poderia votá-los.

Estava instalada e visível a cisão, ao nível económico, entre os países membro da OECE.

A EFTA tinha como objectivos o livre comércio dos produtos industriais e a eliminação progressiva dos direitos aduaneiros entre os países do bloco.

Era uma organização de cooperação, sem órgãos supranacionais, e onde as decisões eram tomadas por unanimidade.

Teve adesões posteriores da Islândia, em 1970 e como membro associado a Finlândia em 1961.

A OECE e EFTA – Os Ingleses e Portugueses
  O.E.C.E.   /   O.C.D.E.
Membro Fundador
16 de Abril de 1948
  A.E.C.L.  /   E.F.T.A. – Associação Europeia de Comércio Livre
Membro Fundador
4 de Janeiro de 1960

PIB per Capita a preços de 1990 - USD
País
Zona        Ano
 
1950
 
1973
 
Var. %
Mundo
2.138
4.123
93%
Europa
3.568
8.414
136%
Grã-Bretanha
6.847
11.992
75%
Portugal
2.218
7.568
241%

A mudança de posição do Reino Unido

O Reino Unido foi convidado, desde o início, a participar e a integrar as Comunidades, nascentes, da década de 1950.

Não o quis fazer pelas razões já explicadas.

Mas posteriormente, face ao sucesso visível da Comunidade Económica Europeia, e aos seus efeitos no crescimento económico dos Seis, resolveu mudar a sua posição de desconfiança inicial.

Contribuíram, também, para esta mudança de atitude a perda de algumas das suas Colónias e alguma dificuldade crescente, na altura, no seu relacionamento com os EUA.

A juntar a tudo isto sobreveio uma crise económica.

Todas estas razões concorreram para incentivar Londres a pedir a adesão às Comunidades o que aconteceu, pela primeira vez, em 31 de Julho de 1961.

Mas o Reino Unido queria garantias adicionais para os produtos oriundos da Commonwealth.

Esta excepção às regras do bloco dos seis foi recusada pelos franceses.

O General De Gaulle, então Presidente da República francesa, vetou em Janeiro de 1963 a sua entrada na CEE.

De Gaulle tinha uma posição sustentada, de carácter político, contra a Grã-Bretanha.

Achava, ele, que esta não era verdadeiramente uma potência europeia.

Era um aliado fiel dos Estados Unidos e o seu braço na Europa.

Pelo que não queria o Reino Unido numa comunidade europeia.

Em 1967, a França novamente pela voz do General De Gaulle, negou mais uma vez a possibilidade de este país aderir às comunidades.

Janeiro de 1972 - os Tratados de Adesão do Reino Unido, da Irlanda, Dinamarca e da Noruega.

Finalmente a França tinha mudado a sua posição face ao Reino Unido. E isto por várias razões.

Em primeiro lugar a França queria um parceiro nuclear, não só no Conselho de Segurança, mas também na Comunidade Económica Europeia, a fim de dotar esta de uma voz mais forte no panorama internacional.

Em segundo lugar, porque agora tinha assumido o poder, em França, um novo Presidente que tinha uma outra visão das questões comunitárias e do dossiê Reino Unido. Esse homem era Georges Pompidou.

Pompidou subiu ao poder em 15 de Junho de 1969 e propôs aos parceiros da comunidade três objectivos: (1) o Aprofundamento da comunidade pela integração económica, (2) o Acabamento – ou a finalização da construção do Mercado Comum e (3) o Alargamento – a levar a cabo através da adesão de novos membros – Reino Unido, Irlanda e Dinamarca.

(A Noruega acabou por não entrar, devido a um referêndum interno desfavorável a essa entrada).

Na Dinamarca e na Irlanda a possível adesão às comunidades foi submetida a Referendo da população. Foi aprovada.

Na Noruega, igualmente posta a proposta de adesão a Referendo, esta foi chumbada pelos cidadãos noruegueses, pelo que o Governo da Noruega não pôde formalizar a adesão deste país.

No Reino Unido a adesão foi Ratificada pela Câmara dos Comuns e posteriormente foi consultada a população que se pronunciou a favor.

A Europa dos Seis passava, assim, a Nove pela entrada, do Reino Unido, da Irlanda e da Dinamarca.

O Mercado Comum alargou-se em número de países e em número de consumidores.

Como consequência, o peso específico, a nível internacional, das Comunidades aumentou.

Os EUA face aos pedidos de Inglaterra e de Portugal de 1961 e 1962

Em comunicação de Frank Figgures, Secretário-geral da EFTA, aos Embaixadores EFTA, após reunião com o Sr. Ball – Subsecretário para os Assuntos Económicos do Departamento de Estado fez saber que “...os EUA defendem a adesão ou associação de todos os Estados EFTA à CEE...” mas com reticências expressas e clarificadas na segunda parte da sua comunicação:

“...no caso do Reino Unido, mas que interessa igualmente a Portugal, o Sr. Ball mencionou o regime de relações económicas entre os Territórios do Ultramar e a Comunidade Europeia, uma vez as Metrópoles entradas, ou associadas com a mesma comunidade. O Sr. Ball exprimiu a opinião que “os EUA não poderiam ver com simpatia e até teriam que se manifestar oposição, na devida oportunidade, que a integração europeia desse lugar ao estabelecimento de arranjos preferenciais para vastas zonas do Continente Africano”.

Por outras palavras, os EUA viam com receio uma Comunidade que integrasse dois países com interesses em vastíssimas áreas africanas, que pusesse em causa os seus próprios interesses no continente africano.

A definição da União Económica e Monetária

Como objectivo a atingir em 1970, mas realmente atingido em 1968, a CEE propunha-se aprofundar, ainda mais, as relações entre os seus Estados Membros e construir um Mercado Comum.

Este modelo define uma construção que vai para além da Zona de Comércio Livre e da União Aduaneira, pois às características destas acrescenta a criação das liberdades de circulação de pessoas, bens e capitais.

Ou seja, dentro do espaço assim criado, os bens produzidos em qualquer dos países, ou entrados nos mesmos, os capitais e todas as pessoas nacionais de um Estado Membro, podem circular livremente por todos os outros Estados do conjunto assim formado.

O passo seguinte, já nas décadas de 1980 e 1990, foi a tentativa de constituição de uma União Económica e Monetária. Esta veio a nascer oficialmente em 1 de Janeiro de 1999, e foram seus membros fundadores, além de Portugal, outros dez - dos quinze - países membros da União Europeia a saber: Alemanha, Áustria, Bélgica, Espanha, Finlândia, França, Holanda, Irlanda, Itália, Luxemburgo.

Ficaram de foram por sua livre iniciativa e opção, não só o Reino Unido, mas também a Dinamarca e a Suécia, todos eles ex-membros da EFTA.

O Reino Unido nas Comunidades

Já vimos que os ingleses estiveram sempre ao lado dos países da Europa continental, sempre que as organizações políticas, económicas ou militares, que nasceram neste espaço, não contivessem em si princípios ou acções que implicassem a diminuição da Soberania do seu Estado e sobretudo do seu Parlamento.

Típico deste pensamento político, e demonstrativo deste, estão as várias atitudes do Reino Unido antes de Maastricht e no pós-Maastricht:

- Logo em 1974, no seio das Comunidades, a Grã-Bretanha pediu, em Abril, a renegociação dos termos da sua adesão, pondo em causa o 1º alargamento das Comunidades realizado em Janeiro de 1973;

- O Governo Conservador, presidido por Margareth Thatcher, despoletou nos anos 1980, a denominada “Crise do Orçamento” ao exigir a redução da sua contribuição para o orçamento comunitário, o que conseguiu;

- O Governo inglês exigiu, mais tarde nas negociações, várias excepções (opting-outs) ao Tratado de Maastricht, e nomeadamente recusou aderir à União Económica e Monetária, por esta transferir para Bruxelas vários dos seus poderes Soberanos;

Em conclusão

O Reino Unido sempre teve uma posição coerente de defesa da sua Autonomia política, da Soberania do seu Estado, numa palavra, da sua Independência.

Fez vários “avisos”, ao longo dos anos, à Comunidade Europeia, e à União Europeia, no sentido de não irem no sentido do aprofundamento, integração, federalização, por isso contrariar a sua tradição, o seu pensamento político e o seu posicionamento estratégico.

Mas os políticos internacionalistas, que dominam a União há umas décadas, não quiseram ouvir ou respeitar estes avisos.

Cá está o resultado dessa falta de atenção, sobretudo perante um país poderoso e forte.

Assim, os dirigentes políticos da Europa Continental têm que se queixar apenas de si próprios.

Na verdade, os federalistas têm tido um comportamento anti-democrático, arrogante, muito visível  sobretudo quando se auto-intitulam abusivamente de serem eles os europeístas, ignorando propositadamente a outra corrente fundadora – Os da Europa das Nações, - esta mais legitima que eles, por mais numerosa e representativa, o que lhes poderá sair caro, mais tarde ou mais cedo.

Por fim, se os federalistas continuarem a querer aprofundar, integrar, federalizar, numa palavra, se continuarem a querer tirar poderes aos Estados-membros, mais tarde ou mais cedo outros países sairão desta União Europeia Federal, que retira poderes dos Estados Soberanos, contra a vontade das suas populações.

Miguel Mattos Chaves

Vice-Presidente da Comissão Europeia
da Sociedade de Geografia

Doutorado em Estudos Europeus (UCP)
Auditor de Defesa Nacional (IDN)
Gestor de Empresas

 


 



 

 

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