*Miguel Mattos Chaves
Termino hoje a análise,
iniciada na semana passada, sobre as atitudes do Reino Unido, face á Europa,
onde fica demonstrada a coerência deste país no que se refere às políticas,
desde sempre, seguidas, quer por Governos Conservadores, quer por Governos
Trabalhistas, em matéria de Política Externa.
A posição da
Inglaterra face ao Tratado de Roma
O referido tratado entrou em
vigor em 14 de Janeiro de 1958.
Pelo mesmo foi criada a
Comunidade Económica Europeia (CEE) e a CEEA – Comunidade Europeia de Energia
Atómica, mais conhecida por Euratom.
E estavam, assim, concluídos
os denominados Tratados das três Comunidades Originais, que são uma fonte relevante
e muito importante do Direito Comunitário.
- Não foram previstas
transferências de soberania por parte de nenhum dos Estados.
- Foi um Tratado em que houve
a nítida preocupação de se encontrar um equilíbrio entre a vontade dos Estados
e a vontade da Comunidade.
- O resultado foi que este
tratado foi muito mais intergovernamental.
- Notou-se um nítido recuo da
tónica federalista
O Tratado CEE tinha como
características e propósitos mais importantes a criação de uma União Aduaneira,
cujo objectivo seria a de dar o primeiro passo para o estabelecimento de um
Mercado Comum, o qual se previa que viesse a ser constituído num prazo de 12
anos (1970)
É um Tratado - Quadro, dado
que apenas enuncia os princípios e os objectivos que se pretendem atingir, com
o mesmo. Salvo no que se refere à União Aduaneira, é um Tratado que enuncia
princípios gerais, o que também o diferencia do Tratado CECA. Este, era um
Tratado – Regra dado que descrevia em pormenor todas as matérias sobre as quais
pretendia regular, os princípios e os objectivos que prosseguia.
- Em matéria de princípios o
Tratado CEE estabelecia que a Comunidade se regeria pelos da diversidade e
solidariedade. A solidariedade teve expressão num conjunto de Políticas Comuns,
entre as quais se destacaria, pela sua importância, a Política Agrícola Comum
(PAC).
A realidade que o Tratado
criou, traduziu-se num sucesso.
Neste caso, e ainda se
verificando um quadro geral de incertezas, Portugal preferiu aguardar
calmamente o desenrolar das situações, aderindo ao que não contrariava a sua
política e os seus interesses da altura, e analisando a todo o tempo as
posições do seu aliado preferencial.
De facto, havia algo de comum
nas preocupações de Inglaterra e Portugal:
(1) Eram parceiros comerciais
importantes, sendo essa importância mais marcante para Portugal do que para o
seu velho aliado;
(2) Ambos tinham territórios
ultramarinos importantes e
(3) Ambos tinham alguma
desconfiança face à estratégia da França.
Por outro lado um dos receios
da Inglaterra, de Portugal e de outros países, de ver nascer uma Federação de
Estados tinha-se diluído face à prática das actividades da CEE.
É que no início do processo
dos seis países da CEE, tinha-se formado a primeira comunidade – a CECA –, que
era verdadeiramente uma organização do tipo federal, e havia o receio de que os
desenvolvimentos posteriores lhe seguissem as pisadas, o que não agradava a Ingleses,
e a outros governos, o de Portugal incluído.
As fracturas no bloco
ocidental europeu – década de 1950
A resposta britânica
face à França
Como já vimos, o Reino Unido
desde o final guerra mostrou-se interessado numa união europeia, mas com um
modelo diferente do preconizado por outros países do bloco ocidental, então
apenas agrupados na OECE.
Começou por advogar, pela voz
do seu Primeiro-Ministro Winston Churchill, em Zurique, a construção dos
Estados Unidos da Europa, mas na qual a Inglaterra não entraria. Modelo
federal.
O seu europeísmo era,
sobretudo, uma reacção contra a União Soviética; era, na sua opinião, o caminho
que a Europa deveria seguir para fazer face à ameaça Soviética.
Porém, nessa arquitectura só
participariam os países do Continente. O Reino Unido ficaria de fora. Para
Churchill, como para muitos Ingleses, a Europa era, e é, o continente. As ilhas
Britânicas são uma coisa diferente.
As suas relações comerciais e
políticas desenvolviam-se, principalmente, num espaço criado por eles – o
Commonwealth - em que pontificavam, e o qual não queriam partilhar com outros.
Londres, por causa do seu
Império, não queria uma União Aduaneira, e portanto a ela não aderiu.
Por outro lado a sua aliança
preferencial continuava a ser com a sua antiga Colónia, os Estados Unidos da
América. Potência, ainda por cima, em crescente afirmação internacional.
Com a sua individualidade
muito marcada, os britânicos não queriam delegar poderes de decisão nacionais
em organismos comuns.
Face à constituição do bloco
dos seis, procuraram encontrar uma alternativa.
O Bloco Inglês (EFTA)
como resposta ao Bloco Francês (CEE)
Dois blocos se formaram.
Os seis, que como já vimos,
seguiram a via da União Aduaneira. Outros sete países iriam criar a EFTA - Zona de Livre Comércio.
A criação da AECL. /
EFTA
Entretanto as negociações
entre os grupos, dos seis (CEE) e dos sete (EFTA), fracassavam por recusa da
França em criar uma Zona de Comércio Livre, entre todos estes países.
Perante o fracasso da
tentativa de agregar todos os países europeus num modelo de Zona de Comércio
Livre e perante a organização dos Seis numa União Aduaneira, a Inglaterra
começou a desenvolver os esforços para a constituição de uma Associação de
Comércio com os restantes países da OECE.
Esta nasce indiscutivelmente
da iniciativa inglesa.
É a consumação da divisão da
Europa ocidental, em dois blocos económicos.
De fora, de qualquer dos
blocos dos países do chamado “mundo livre”, resultantes da formação da CEE e da
EFTA, ficavam apenas a Irlanda, a Grécia e a Turquia.
A Grécia e a Turquia tentaram
associar-se à CEE.
Ficaram ainda de fora a
Islândia, que em 1970 iria pedir a sua adesão à EFTA, e a Finlândia.
Em Dezembro de 1957 foi
convocada pela Inglaterra, em grande segredo, uma reunião que se deveria
realizar em Genebra entre estes, a Áustria, Dinamarca, Noruega, Suécia e Suíça.
Reunião esta em que Portugal
também participou.
Nascia uma nova organização
económica, a AECL. / EFTA estruturada em moldes organizativos diferentes dos
propostos pela França e pelos outros membros do Clube dos Seis.
Era a contraposição entre a
criação de uma Zona de Comércio Livre, proposta pelos ingleses e a criação de
uma União Aduaneira, adoptada pelos Seis.
Esta contraposição foi,
também, determinada pela necessidade de estes países não ficarem isolados
comercialmente, situação a que a criação do Mercado Comum poderia votá-los.
Estava instalada e visível a
cisão, ao nível económico, entre os países membro da OECE.
A EFTA tinha como objectivos
o livre comércio dos produtos industriais e a eliminação progressiva dos
direitos aduaneiros entre os países do bloco.
Era uma organização de
cooperação, sem órgãos supranacionais, e onde as decisões eram tomadas por
unanimidade.
Teve adesões posteriores da
Islândia, em 1970 e como membro associado a Finlândia em 1961.
A OECE e
EFTA – Os Ingleses e Portugueses
O.E.C.E. /
O.C.D.E.
|
Membro Fundador
|
16 de Abril de 1948
|
A.E.C.L. / E.F.T.A.
– Associação Europeia de Comércio Livre
|
Membro Fundador
|
4 de Janeiro de 1960
|
PIB per Capita a preços de 1990 - USD
País
Zona
Ano
|
1950
|
1973
|
Var. %
|
Mundo
|
2.138
|
4.123
|
93%
|
Europa
|
3.568
|
8.414
|
136%
|
Grã-Bretanha
|
6.847
|
11.992
|
75%
|
Portugal
|
2.218
|
7.568
|
241%
|
A mudança de posição
do Reino Unido
O Reino Unido foi convidado,
desde o início, a participar e a integrar as Comunidades, nascentes, da década
de 1950.
Não o quis fazer pelas razões
já explicadas.
Mas posteriormente, face ao
sucesso visível da Comunidade Económica Europeia, e aos seus efeitos no
crescimento económico dos Seis, resolveu mudar a sua posição de desconfiança
inicial.
Contribuíram, também, para
esta mudança de atitude a perda de algumas das suas Colónias e alguma
dificuldade crescente, na altura, no seu relacionamento com os EUA.
A juntar a tudo isto
sobreveio uma crise económica.
Todas estas razões
concorreram para incentivar Londres a pedir a adesão às Comunidades o que
aconteceu, pela primeira vez, em 31 de Julho de 1961.
Mas o Reino Unido queria
garantias adicionais para os produtos oriundos da Commonwealth.
Esta excepção às regras do
bloco dos seis foi recusada pelos franceses.
O General De Gaulle, então
Presidente da República francesa, vetou em Janeiro de 1963 a sua entrada na
CEE.
De Gaulle tinha uma posição
sustentada, de carácter político, contra a Grã-Bretanha.
Achava, ele, que esta não era
verdadeiramente uma potência europeia.
Era um aliado fiel dos
Estados Unidos e o seu braço na Europa.
Pelo que não queria o Reino
Unido numa comunidade europeia.
Em 1967, a França novamente
pela voz do General De Gaulle, negou mais uma vez a possibilidade de este país
aderir às comunidades.
Janeiro de 1972 - os
Tratados de Adesão do Reino Unido, da Irlanda, Dinamarca e da Noruega.
Finalmente a França tinha
mudado a sua posição face ao Reino Unido. E isto por várias razões.
Em primeiro lugar a França
queria um parceiro nuclear, não só no Conselho de Segurança, mas também na
Comunidade Económica Europeia, a fim de dotar esta de uma voz mais forte no
panorama internacional.
Em segundo lugar, porque
agora tinha assumido o poder, em França, um novo Presidente que tinha uma outra
visão das questões comunitárias e do dossiê Reino Unido. Esse homem era Georges
Pompidou.
Pompidou subiu ao poder em 15
de Junho de 1969 e propôs aos parceiros da comunidade três objectivos: (1) o
Aprofundamento da comunidade pela integração económica, (2) o Acabamento – ou a
finalização da construção do Mercado Comum e (3) o Alargamento – a levar a cabo
através da adesão de novos membros – Reino Unido, Irlanda e Dinamarca.
(A Noruega acabou por não
entrar, devido a um referêndum interno desfavorável a essa entrada).
Na Dinamarca e na Irlanda a
possível adesão às comunidades foi submetida a Referendo da população. Foi
aprovada.
Na Noruega, igualmente posta
a proposta de adesão a Referendo, esta foi chumbada pelos cidadãos noruegueses,
pelo que o Governo da Noruega não pôde formalizar a adesão deste país.
No Reino Unido a adesão foi
Ratificada pela Câmara dos Comuns e posteriormente foi consultada a
população que se pronunciou a favor.
A Europa dos Seis passava,
assim, a Nove pela entrada, do Reino Unido, da Irlanda e da Dinamarca.
O Mercado Comum alargou-se em
número de países e em número de consumidores.
Como consequência, o
peso específico, a nível internacional, das Comunidades aumentou.
Os EUA face aos
pedidos de Inglaterra e de Portugal de 1961 e 1962
Em comunicação de Frank
Figgures, Secretário-geral da EFTA, aos Embaixadores EFTA, após reunião com o
Sr. Ball – Subsecretário para os Assuntos Económicos do Departamento de Estado
fez saber que “...os EUA defendem a adesão ou associação de todos os Estados
EFTA à CEE...” mas com reticências expressas e clarificadas na segunda parte da
sua comunicação:
“...no caso do Reino Unido,
mas que interessa igualmente a Portugal, o Sr. Ball mencionou o regime de
relações económicas entre os Territórios do Ultramar e a Comunidade Europeia,
uma vez as Metrópoles entradas, ou associadas com a mesma comunidade. O Sr.
Ball exprimiu a opinião que “os EUA não poderiam ver com simpatia e até teriam
que se manifestar oposição, na devida oportunidade, que a integração europeia
desse lugar ao estabelecimento de arranjos preferenciais para vastas zonas do
Continente Africano”.
Por outras palavras, os EUA
viam com receio uma Comunidade que integrasse dois países com interesses em
vastíssimas áreas africanas, que pusesse em causa os seus
próprios interesses no continente africano.
A definição da União
Económica e Monetária
Como objectivo a atingir em
1970, mas realmente atingido em 1968, a CEE propunha-se aprofundar, ainda mais,
as relações entre os seus Estados Membros e construir um Mercado Comum.
Este modelo define uma
construção que vai para além da Zona de Comércio Livre e da União Aduaneira,
pois às características destas acrescenta a criação das liberdades de
circulação de pessoas, bens e capitais.
Ou seja, dentro do espaço
assim criado, os bens produzidos em qualquer dos países, ou entrados nos mesmos,
os capitais e todas as pessoas nacionais de um Estado Membro, podem circular
livremente por todos os outros Estados do conjunto assim formado.
O passo seguinte, já nas
décadas de 1980 e 1990, foi a tentativa de constituição de uma União Económica
e Monetária. Esta veio a nascer oficialmente em 1 de Janeiro de 1999, e foram
seus membros fundadores, além de Portugal, outros dez - dos quinze - países
membros da União Europeia a saber: Alemanha, Áustria, Bélgica, Espanha,
Finlândia, França, Holanda, Irlanda, Itália, Luxemburgo.
Ficaram de foram por sua
livre iniciativa e opção, não só o Reino Unido, mas também a Dinamarca e a
Suécia, todos eles ex-membros da EFTA.
O Reino Unido nas
Comunidades
Já vimos que os ingleses
estiveram sempre ao lado dos países da Europa continental, sempre que as
organizações políticas, económicas ou militares, que nasceram neste espaço, não
contivessem em si princípios ou acções que implicassem a diminuição da Soberania
do seu Estado e sobretudo do seu Parlamento.
Típico deste pensamento
político, e demonstrativo deste, estão as várias atitudes do Reino Unido antes
de Maastricht e no pós-Maastricht:
- Logo em 1974, no seio das
Comunidades, a Grã-Bretanha pediu, em Abril, a renegociação dos termos da sua
adesão, pondo em causa o 1º alargamento das Comunidades realizado em Janeiro de
1973;
- O Governo Conservador,
presidido por Margareth Thatcher, despoletou nos anos 1980, a denominada “Crise
do Orçamento” ao exigir a redução da sua contribuição para o orçamento
comunitário, o que conseguiu;
- O Governo inglês exigiu,
mais tarde nas negociações, várias excepções (opting-outs) ao Tratado de
Maastricht, e nomeadamente recusou aderir à União Económica e Monetária, por
esta transferir para Bruxelas vários dos seus poderes Soberanos;
Em conclusão
O Reino Unido sempre teve uma
posição coerente de defesa da sua Autonomia política, da Soberania do seu
Estado, numa palavra, da sua Independência.
Fez vários “avisos”, ao longo
dos anos, à Comunidade Europeia, e à União Europeia, no sentido de não irem no
sentido do aprofundamento, integração, federalização, por isso contrariar a sua
tradição, o seu pensamento político e o seu posicionamento estratégico.
Mas os políticos internacionalistas,
que dominam a União há umas décadas, não quiseram ouvir ou respeitar estes
avisos.
Cá está o resultado dessa
falta de atenção, sobretudo perante um país poderoso e forte.
Assim, os dirigentes
políticos da Europa Continental têm que se queixar apenas de si próprios.
Na verdade, os federalistas
têm tido um comportamento anti-democrático, arrogante, muito visível
sobretudo quando se auto-intitulam abusivamente de serem eles os europeístas,
ignorando propositadamente a outra corrente fundadora – Os da Europa das
Nações, - esta mais legitima que eles, por mais numerosa e representativa, o
que lhes poderá sair caro, mais tarde ou mais cedo.
Por fim, se os federalistas
continuarem a querer aprofundar, integrar, federalizar, numa palavra, se
continuarem a querer tirar poderes aos Estados-membros, mais tarde ou mais cedo
outros países sairão desta União Europeia Federal, que retira poderes dos
Estados Soberanos, contra a vontade das suas populações.
Miguel Mattos Chaves
Vice-Presidente
da Comissão Europeia
da
Sociedade de Geografia
Doutorado
em Estudos Europeus (UCP)
Auditor
de Defesa Nacional (IDN)Gestor de Empresas